11 de novembro, o vagão e as colheres nas botas: há 107 anos a Alemanha se rendeu e a Primeira Guerra Mundial chegou ao fim

 

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Na manhã de 11 de novembro de 1918, quando o relógio marcava 5h15, não foi um palácio que testemunhou o desfecho da guerra mais brutal que o mundo já havia visto, mas um modesto vagão ferroviário estacionado na Floresta de Compiègne, na França. Ao redor, silêncio absoluto; dentro, apenas algumas testemunhas e a assinatura que encerraria quatro anos de horror.

Ali, no CIWL 2419, Matthias Erzberger, pelo Império Alemão, e o Marechal Ferdinand Foch, representando França e Reino Unido, colocaram um ponto final — ainda que amargo — na Primeira Guerra Mundial.

A ausência de fotógrafos e jornalistas, decisão pessoal de Foch, deu ao momento um caráter quase clandestino. Chamado de armistício, mas entendido pelos alemães como rendição incondicional, o documento impunha duras reparações, perda de territórios, libertação de prisioneiros e manutenção do bloqueio naval. Os alemães tentaram contestar, sem sucesso.

Às 11h11 daquele mesmo dia, o cessar-fogo entraria em vigor, marcando a última sequência de mortes de um conflito que mobilizou 70 milhões de soldados e deixou quase 10 milhões de mortos.

Colheres nas botas: a identidade possível no caos

Entre trincheiras encharcadas, bombardeios incessantes e armas químicas — ao todo, 124 mil toneladas de gases tóxicos foram usadas — soldados buscavam formas desesperadas de garantir que, caso morressem, seus corpos fossem identificados. As placas oficiais dos britânicos, feitas de material frágil, muitas vezes se desfaziam na lama.

Foi assim que pequenas colheres metálicas passaram a carregar nomes, números de matrícula e última esperança de reconhecimento. Guardadas nas botas, resistiam ao fogo, ao tempo e à destruição.

A guerra que começou com a calmaria ilusória da “paz armada” e explodiu após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando transformou-se em um conflito de trincheiras e batalhas intermináveis, como a de Verdun, onde franceses e alemães lutaram por 303 dias ao custo de mais de 700 mil baixas.

A entrada dos Estados Unidos, após ataques de submarinos alemães e a revelação do telegrama Zimmermann, definiu o rumo da guerra. Com o apoio de Washington, os Aliados lançaram a ofensiva final que forçou Erzberger a atravessar as linhas inimigas para negociar o armistício. Encontrou Foch inflexível: 72 horas para aceitar todas as exigências.

O fim do conflito abriu caminho para o colapso de quatro impérios — Alemão, Austro-Húngaro, Russo e Otomano — e para uma série de acordos que continuaram a ser assinados até 1919, culminando no Tratado de Versalhes.

O próprio vagão do armistício teria um destino trágico: usado por Hitler em 1940 para impor uma nova humilhação aos franceses, foi levado a Berlim e depois desapareceu; fragmentos encontrados décadas mais tarde estão hoje no Museu do Armistício.

Homenagens

Em 1920, a França escolheu um soldado desconhecido e o sepultou sob o Arco do Triunfo — uma homenagem à multidão de combatentes sem nome cujo sacrifício ecoa até hoje.

Dois anos depois, o 11 de novembro tornou-se feriado nacional. Todos os anos, o presidente francês deposita flores diante da estátua de Georges Clemenceau, gesto que procura eternizar uma data de luto, memória e esperança.

Mais de um século depois, aquele vagão silencioso na floresta, as colheres nas botas e o som dos canhões cessando às 11h11 seguem lembrando o mundo de que até os objetos mais simples podem carregar histórias profundas.