Vivi para contar: 'O hino já diz: esperança do tamanho do mar', reflete jornalista que viu Cabo Verde se classificar à Copa
Cabo Verde. “Terra pequenininha em meio à imensidão”. Foi a primeira coisa que um dos entrevistados à beira do campo me disse após o feito histórico.
Terras pequenas, porém bem vivas. O hino já diz: esperança do tamanho do mar.
Um Atlântico imenso rodeia algo imperceptível para muitos que batem o olho no mapa da África… inesquecível para quem vive, sente e se identifica com “nha terra” — “minha terra”, traduzido do crioulo. A partir disso, a primeira coisa que fazemos é virar o pescoço um pouco para a esquerda no mapa e notar algo brilhante no Atlântico. O verde, as plantações, as praias, a água cristalina, o fogo, a imponência de um vulcão. Dez ilhas. Notadas por mim a partir de onze tubarões, representantes de uma… família.
Foi a primeira palavra que me veio à mente ao colocar os pés para fora do aeroporto de Praia pela primeira vez. O nome da capital é a definição de um espaço à beira-mar.
Cabo Verde vai disputar uma Copa pela primeira vez
Arquivo Pessoal
Eu não esperava 40 pessoas me recebendo ao chegar a seu país pela primeira vez, embora soubesse que a hora dessa visita chegaria após dois anos de cobertura do futebol africano lusófono. Embora soubesse da força e do amor do meu público. Mas ia além disso. Eles estavam me recebendo em sua casa.
O Cabo Verde não é só o país dessas pessoas. É a casa. Por isso, nos receberam à porta. Por isso, o clima era tão… leve. A me lembrar minhas férias de infância em outro Cabo — o Frio, na Região dos Lagos.
Ingênuo — e botafoguense — eu imaginava um cenário de tensão no jogo. Talvez eu fosse o cara mais nervoso dentro do Estádio Nacional naquela tarde. Não por me importar mais, jamais seria sem noção ao pensar isso. Mas eu olhava para as arquibancadas e só via risadas. Graça. Estava mais para Sapucaí do que para Maracanã.
Dentro de campo, no primeiro tempo, a porrada comia, a gente buscava furar a retranca e o antijogo de Esuatíni. Do lado de fora, leveza. Pareciam jogos escolares.
Talvez fossem. Amigos, irmãos, parentes… todos torcendo por onze AMIGOS, familiares em campo.
Tudo era leve. E se pesava o tempo, as quedas do goleiro adversário e seu bolso, que podia ser bem gordo através de malas camaronesas… o peso cabo-verdiano era justamente a leveza. De cada sorriso na arquibancada; cada buzina quem mais soava como música do que poluição sonora; cada cântico que era mais carnaval que grito de guerra de torcida. Cada “Nu Bai” (“vamos”, em crioulo), gritado era um “vamo” que carregava muito mais malandragem que ansiedade.
Um país novo, de só meio século, a ensinar tanto sobre lidar com desafios. A superar tantas batalhas que eu nunca sonhei passar. Sua língua, por exemplo, vem da a mistura de povos machucados que precisavam se entender. E davam seu jeito. Talvez por isso o futebol fosse só o detalhe ali.
Cabo Verde vai disputar uma Copa pela primeira vez
Arquivo Pessoal
Deixaria de ser. Livramento de tensão no primeiro gol, ataque “SemMedo” para aumentar o placar… e o estopim de Stopyra, desaposentado por um propósito. Vozinha virou criança chorando nos braços da mãe, e cada cabo-verdiano fez o azul do mar virar céu infinito. Carimbo. Passaporte rumo à América.
Alegria é a causa
Braune, Vitória, Felipe, Zé e Patrick. Vibram brasileiros acostumados com a sinergia do futebol em um dos dias mais especiais de nossas vidas; sorriem cabo-verdianos como em mais um dia de vida e luta.
A classificação está nisso. A alegria não era consequência naquele lugar. Era a causa.
É fogo, lava, água salgada, floresta. Cabo da mata Verde.
E por que a bandeira não leva a cor do nome?
Prevalecem o vermelho da luta, as estrelas do céu e o azul da imensidão do atlântico que cerca Nha Terra. Tamanho não se faz necessariamente por território. Mas pela expansão que você enxerga mar afora através das histórias que escreve.
Cabo Verde grita “muito prazer” ao mundo! E eu posso dizer que estava ao seu lado vendo esse aperto de mão. Eu também tinha acabado de conhecê-lo. Pessoalmente. A conexão já existia, apesar do oceano de distância!
Apesar, não! Já aprendemos. Tá no hino! O tamanho do mar não é distância. É esperança.
Nu Bai! Com carinho eterno.
* Daniel Braune é jornalista e criador de conteúdo digital
