Vendaval devastador em SP foi combinação de ciclone 'terrestre' com céu aberto

 

Fonte:


O vendaval que passou na quarta-feira (10) por São Paulo derrubando árvores e deixando um quarto da cidade sem energia foi uma combinação infeliz entre dois fenômenos: a formação de um ciclone extratropical em terra e a criação de um "gradiente de pressão" em condições secas.

Esse evento, que ficou caracterizado pelo encontro de duas grandes massas de ar com valores de pressão muito diferentes, é que fez com que rajadas de mais de 100 km/h fossem registradas na cidade, em um dia de céu aberto.

O modo como se formou o ciclone foi convencional, pelo encontro de duas massas de ar com pressão de densidades diferentes. Uma delas, vinda do norte, encontrou um sistema de baixa pressão formado no sul. O que acontece em termos de física é que uma massa de ar mais densa tenta ocupar o lugar de outra massa, movimentando o ar, criando vento numa tentativa de reequilibrar o sistema energético.

O que não foi convencional desta vez foi o lugar onde se deu esse encontro, explica a meteorologista Tatyane Paz, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).

— A formação de ciclones aqui na América do Sul não é atípica. Existe uma uma formação constante. Sempre que tem uma frente fria passando, lá no oceano tem um ciclone associado — diz. — A questão deste aqui é que ele se formou no continente, entre Argentina, Paraguai e o sul do Brasil. E ele já veio com esses ventos intensos, logo afetando a população. Ele não era algo que surgiu mar e se aproximou depois.

As fotos de satélite feitas da região naquele dia mostravam a capital paulista num lugar incomum. Numa brecha da da imagem da grande espiral de umidade do ciclone e seus vários braços espiralando no sentido horário, São Paulo aparecia descoberta de nuvens no meio de uma das poucas faixas sem nuvens.

Se é verdade que uma chuva poderia ter piorado o impacto do vento, por outro, o céu aberto pode ter contribuído para aumentar a velocidade das rajadas. Com o sol aquecendo o solo, o ar na superfície fica mais quente, sobe, reduz a pressão no em altitudes baixas e estimula mais movimento de ar pelo gradiente de pressão (zona com pressões diferentes). A região Sul do Brasil, que estava nos braços úmidos do ciclone, sofreu mais impacto por chuva.

O vendaval da quarta foi um dos piores já registrados na capital paulista (talvez o pior em condições secas), e o Inmet não observava rajadas tão velozes havia 15 anos em suas estações de medição.

"A rajada de vento registada pela estação automática do Mirante de Santana em São Paulo foi de 82,8 km/h no dia de ontem (10), Verificando os dados históricos dessa estação, foi observado que a maior rajada de vento foi uma de 101,2 km/h em 2010", afirmou o instituto em comunicado. "Esta estação começou a operar em 2006, porém. A estação convencional de Mirante de Santana (83781) opera a mais tempo, mas não registra rajadas de vento."

São Paulo possui outros equipamentos de medição dedicados, porém, como os das estações do Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas (CGE), da Prefeitura, e aqueles que o Aeroporto de Congonhas usa para operar. Na estação municipal da Lapa, ontem os ventos chegaram a 98,1 km, e em Congonhas bateram nos 96,3 km/h. Em uma tempestade em novembro 2023, porém, o aeroporto registrou ventos de 103 km/h.

Como os dados de todas essas fontes são muito fragmentados, é difícil saber se a última quarta-feira teve o pior (ou segundo pior) vendaval já registrado. A preocupação dos cientistas tem mais relação agora, com a possibilidade de esse fenômeno se repetir.

Imagem da Nasa registrou ciclone extratropical sobre o sul do Brasil nesta semana

Divulgação / Nasa

Tempestades "úmidas" convencionais já haviam impactado a infraestrutura de São Paulo de maneira semelhante em novembro de 2023 e em outubro de 2024. Com o vendaval de 2025 na sequência, esse transtorno está se tornando um evento anual na cidade.

O conceito que pode fechar quebra-cabeça para entender a ocorrência desses episódios na cidade é, de maneira talvez pouco surpreendente, a mudança climática.

Pesquisadores costumam ser reticentes em atribuir a ocorrência individual desses eventos extremos ao aquecimento global logo de cara. Isso requer os chamados "estudos de atribuição", que olham com mais detalhamento estatístico para os dados, e consomem um bom tempo por parte dos cientistas.

Isso não quer dizer, porém, que a crise do clima não seja a primeira suspeita nesses casos.

— A gente está vivendo num planeta que tem tido o aumento da sua temperatura média e isso tem um impacto, sim, nos sistemas de tempo, e o que a gente espera com essas mudanças é que esses eventos severos fiquem mais severos e com uma frequência maior — diz Paz. — Esse é um assunto delicado de falar antes de estudos apropriados, mas é muito alta a probabilidade de isso ter ocorrido em função de mais injeção de energia na atmosfera, e dos eventos que acabam sendo uma tentativa de reequilíbrio energético.