Uma semana no breu: o drama de quem segue sem luz em São Paulo

 

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Sem energia elétrica, o portão automático da Taqueria La Saborosa, no Pinheiros, em São Paulo, transformou-se em um obstáculo diário. Embora tenha um sistema mecânico de abertura, semelhante ao de uma persiana, o procedimento toma até dez minutos de esforço e só pode ser manuseado pelo lado de dentro do imóvel. Sem alternativa, os sócios Hugo Delgado, de 57 anos, e Carlos Tavares, de 63, apelaram a uma escada para pular o muro da frente. Virou a forma mais fácil de entrar e sair do restaurante desde a última quarta-feira , quando a luz acabou devido ao vendaval que deixou a cidade às escuras — situação que persistia na segunda-feira, seis dias após o início do problema.

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Pela manhã, ainda havia cerca de 30 mil imóveis sem abastecimento, patamar próximo da normalidade, entre eles a taqueria no Pinheiros. No entanto, o número de clientes da Enel sem o devido fornecimento de energia voltou a subir ao longo da tarde e passava de 65 mil no início da noite.

Na La Saborosa, os sócios tiveram luz somente por algumas horas desde as rajadas de força inédita. O serviço caiu pela primeira vez por volta das 14h de quarta-feira, dia do vendaval, em pleno horário de almoço. Na Rua Francisco Leitão, onde funcionam a taqueria e outros restaurantes, a energia até voltou rapidamente na manhã seguinte. O alívio, porém, durou pouco. Ainda antes do almoço, uma árvore caiu em frente ao estabelecimento e rompeu o emaranhado de fios do poste, devolvendo a área à escuridão.

Por pouco, Delgado não foi atingido, já que trabalha na calçada ao longo do dia. A árvore, aliás, já era motivo de preocupação. Tavares mostrou à reportagem fotos tiradas em janeiro de 2024, quando a queda de galhos atingiu uma motocicleta e motivou um pedido formal de remoção à prefeitura — que não foi atendido.

Após a nova queda, na quinta-feira, a prefeitura retirou os galhos em algumas horas. A partir daí, segundo os proprietários, o problema passou a ser exclusivamente com a Enel. Desde o apagão, eles relatam uma sequência de ligações à concessionária, com prazos prometidos e sucessivamente descumpridos.

De acordo com Delgado, um caminhão de uma empresa terceirizada da concessionária chegou a passar em frente ao endereço na sexta. Após insistência dos sócios, os funcionários fizeram a retirada dos fios partidos. Mas, sem uma ordem de serviço, não permaneceram no local para restabelecer a energia.

A dupla tentou, ainda assim, manter o restaurante em funcionamento. No sábado, dia de maior movimento, alugou um gerador para operar à noite. O custo, no entanto, foi alto: R$ 2.500, cerca de um quarto do faturamento do dia, o que tornou inviável manter o equipamento por mais tempo.

— Também teria prejuízo com a casa fechada. Para mim, era importante manter o restaurante aberto, pelos clientes, pelos funcionários e até para evitar perder os alimentos — explica Delgado.

‘Não pode ser normal’

Nos últimos dias, ele apelou à ajuda de vizinhos e teve mais gastos extras com gelo para tentar conservar os produtos, combatendo um problema que não é novo. Desde que se mudou para o endereço, em 2023, é a terceira vez que o restaurante fica sem energia na mesma época do ano.

— Toda vez que eu ligo para a Enel, parece que é a primeira vez. Eles não têm histórico — afirma o sócio.

Procurada, a Enel informou que o índice atual está dentro do “padrão de normalidade” e que os técnicos da empresa estão em campo para atender casos registrados depois do vendaval. Delgado, no entanto, questiona a métrica:

— Pode ser normal ter 20 mil pessoas sem luz na cidade em um certo momento. Mas se ela está sem luz por seis dias, isso não pode ser normal.

Na noite de segunda-feira, o restaurante ainda dependia da escada improvisada ou do giro exaustivo da corrente do portão para que fosse possível acessá-lo. Os donos afirmam que pretendem cobrar o prejuízo judicialmente da Enel.

— Para que os consumidores sejam efetivamente reparados pelos danos materiais e morais, é importante que reúnam o maior número de provas possíveis, como fotos, vídeos, protocolos de reclamações e documentos de compromissos desmarcados — explica Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direto do consumidor.

(Colaborou Guilherme Queiroz)