Uma Belém repaginada para moradores e turistas

 

Fonte:


A COP30 passa, mas fica uma cidade repaginada. Entre projetos antigos que saíram do papel e espaços para a conferência, Belém recebeu mais de 30 obras. Agora, a promessa do governo de que os investimentos seriam um legado será colocada à prova. Os novos parques já vêm sendo utilizados e elogiados pela população, que, por outro lado, lamenta a falta de solução para o saneamento. Hotéis de luxo foram erguidos e o novo e ampliado Terminal Portuário de Outeiro já pode receber transatlânticos, mas especialistas citam os desafios para o plano da capital paraense se consolidar como o principal destino turístico da Amazônia. Entre os 33 projetos que formam a nova infraestrutura estão o imponente Parque da Cidade, onde aconteceu a COP, a macrodrenagem de 13 canais com implantações de parques lineares, as reformas do Porto de Outeiro e do Mercado de São Brás e a implantação do novo BRT, além do Porto Futuro II — polo gastronômico e cultural — e do Museu das Amazônias.

O governo do estado informou que os investimentos chegaram a R$ 4,5 bilhões, somando Tesouro estadual, BNDES, Caixa Econômica e parceria com a Itaipu Binacional. Já a União cita um valor, de sua parte, de R$ 4,2 bilhões, mas inclui no cálculo recursos do BNDES. Procuradas, as partes não souberam esclarecer o valor total, evitando repetições. A prefeitura investiu R$ 63,5 milhões.

Avenida polêmica

Durante a COP, as novas instalações já chamavam atenção dos moradores. As irmãs Meire e Joana aproveitaram o evento para curtir as novas atrações. Além dos passeios, elas frequentaram os shows da programação paralela.

— Belém sempre foi bonita, mas estava sem zelo. A COP ajudou a revitalizar — diz Joana, que destaca a recuperação de casarões e galpões abandonados. — Sou apaixonada pela arquitetura antiga da cidade, mas a gente não frequentava o Mercado São Brás, por exemplo. Agora, a gente vai.

O Mercado de São Brás foi reformado e virou point durante a COP

Bruno Cruz/Agência Pará

O empresário Douglas Veroneze, que nasceu no Paraná mas vive no Pará há 18 anos, elogia a “renovação da cidade”. Ele elege um projeto — polêmico pelo desmatamento dentro da Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana de Belém — como essencial: a Avenida Liberdade, que tem previsão de conclusão ano que vem e abrirá uma segunda via de acesso à cidade, sendo alternativa à sobrecarregada BR-316.

— O que importa para o povo é o legado estrutural. Poderia ser melhor, mas há cinco anos tinham bairros aqui sem asfalto. O passivo histórico para tornar Belém uma verdadeira cidade turística é muito grande — afirma Veroneze.

Já o jovem ativista Andrew Leal, criado no Terra Firme, bairro mais populoso da periferia da cidade e cofundador do Observatório das Baixadas, tem outro olhar. Ele concorda que a população em geral celebrou as obras. Mas aponta que a região central foi mais privilegiada, tanto na quantidade quando na qualidade dos projetos.

— A obra da Nova Doca foi feita com padrão de arquitetura e urbanismo muito superior ao da macrodrenagem do Tucunduba, por exemplo. Lá, um dos canais abertos foi o da Vileta, onde havia muitas árvores que foram cortadas para a drenagem. Acaba sendo uma violência, porque já estamos em uma das cidades mais quentes do mundo e ainda tiram as árvores — queixa-se Leal.

Ele também faz coro às denúncias de “racismo ambiental” encampadas pelos moradores da Vila da Barca, onde, no meio da comunidade da periferia, foi construída uma estação elevatória para canalizar o esgoto drenado na Nova Doca, no Centro. O saneamento, destaca, é um dos principais problemas de Belém. Segundo o Instituto Trata Brasil, apenas 20% da população belenense tem coleta de esgoto, e o tratamento alcança somente 2,4%.

Se Belém conseguiu deixar uma marca internacional durante a COP, certamente ela passa pela sua efervescência cultural. As festas de aparelhagem, os shows de carimbó, as rodas de samba e a gastronomia típica encantaram o público estrangeiro.

— Entendo que a COP30 produziu um efeito duplo: apresentou o Brasil amazônico ao mundo e reforçou a nós, amazônidas, a noção de que nossa cultura é patrimônio estratégico — afirma Geraldo Nogueira, idealizador e produtor do Samba Batuque da Feira do Açaí, um dos points mais requisitados nas noites da conferência. — A COP provou o quanto a cultura transforma e movimenta economias. Esse é um legado político que não pode ser ignorado.

Desafio do turismo

Os governantes vêm apostando que Belém vai se tornar o principal destino turístico da Amazônia. Assim, o Porto do Outeiro foi reformado, ao custo de R$ 233 milhões, e o terminal permitirá mais operações de carga e a atracação de transatlânticos.

— Abre-se um novo horizonte para a cidade. E cada navio que atraca aqui é uma fábrica de emprego, oportunidade, renda — disse Jardel Silva, diretor presidente da Companhia Docas do Pará.

O Parque Linear da Nova Doca é uma das obras de infraestrutura

Agência Pará

Mariana Aldrigui, pesquisadora em Turismo da USP, acredita que Belém conseguiu deixar a impressão de um destino acolhedor. Mas lembra que houve notícias negativas, como os preços altos da hotelaria e problemas na prestação de serviços.

— Posicionar a cidade como um destino para eventos e convenções será um grande desafio. Do ponto de vista de turismo regional, Belém pode se consolidar como uma alternativa a Manaus. Isso vai depender como ambas se promoverão a partir de agora.

Procurado, o governo do Pará destacou que a COP30 proporcionou investimentos que tornaram a capital “uma cidade melhor para os moradores e mais atraente para turistas”. Em nota, disse que houve emissão de 46 mil certificados para trabalhadores no programa Capacita COP 30 e que existe um projeto de promoção do turismo após a conferência.