Trump diz que os dias de Maduro ‘estão contados’ e volta a sinalizar que pode ampliar ações militares na América Latina

 

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Em meio à crescente pressão dos Estados Unidos sobre a Venezuela, o presidente Donald Trump voltou a sinalizar que pode ampliar as ações militares em curso na América Latina contra alvos supostamente ligados ao narcotráfico. Em entrevista ao portal americano Politico na segunda-feira, ele evitou descartar o envio de tropas dos EUA ao território venezuelano como parte dos esforços para derrubar o ditador Nicolás Maduro — a quem responsabiliza por exportar drogas e “pessoas perigosas” — e foi categórico ao dizer que os dias do chavista “estão contados”.

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— Não quero descartar nem confirmar. Não falo sobre isso — disse o republicano. — Quero que o povo da Venezuela seja bem tratado. Quero que o povo da Venezuela, muitos dos quais vivem nos Estados Unidos, seja respeitado. Eles foram incríveis comigo, votaram em mim. E eu tenho um grande empreendimento, o Doral Country Club, [localizado] bem no meio do que chamam de Little Venezuela (“Pequena Venezuela”), [na Flórida]. Eu passei a conhecer muito bem o povo venezuelano por causa disso, e eles são pessoas incríveis. Todos têm sucesso, é impressionante.

O americano tem levantado a ideia de ataques terrestres há meses, e o Pentágono atacou mais de 20 supostas embarcações dedicadas ao narcotráfico em alto-mar. Desde setembro, os EUA direcionaram mais de uma dúzia de navios de guerra e cerca de 15 mil soldados à região. Enquanto Washington afirma que a operação visa combater o tráfico internacional de drogas, Caracas vê uma tentativa de pressionar Maduro a deixar o poder. Até agora, mais de 80 pessoas morreram em bombardeios dos EUA — ações que organizações de direitos humanos dizem ser execuções extrajudiciais ilegais.

Na semana passada, Trump já havia dito que qualquer país envolvido na venda de drogas para o território americano poderia ser atacado. Durante uma longa reunião de Gabinete, marcada pelos elogios de seus subordinados, ele também prestou apoio ao seu secretário de Defesa, Pete Hegseth, acusado de violar condutas militares em um dos ataques contra embarcações no Caribe. Ao final da reunião, o presidente republicano também disse que poderia atacar alvos em terra, repetindo uma ameaça feita no último mês, quando disse que isso aconteceria “muito em breve”.

— Por terra é muito mais fácil. E nós conhecemos as rotas que eles percorrem. Sabemos tudo sobre eles. Sabemos onde eles moram. Sabemos onde os caras maus moram, e vamos começar isso (ataques terrestres) muito em breve também — disse o presidente na última terça-feira. — Quando começarmos isso, vamos reduzir esses números [de drogas exportadas aos EUA] drasticamente.

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Sob pressão

Apesar do tom forte das declarações do presidente, a administração Trump tem estado sob pressão pelos ataques às embarcações, e alguns legisladores afirmam que não existe justificativa legal para as operações. Essas críticas aumentaram após relatos de que em uma das ofensivas, em 2 de setembro, foi ordenado um segundo ataque para matar dois sobreviventes do primeiro, no mar. Agora, o Congresso tenta entender se a dupla ainda estava “em combate” ou se estava tecnicamente naufragada — o que tornaria ilegal matá-los em situação de conflito armado.

Senadores americanos puderam ver imagens dessa operação na última quinta-feira, a portas fechadas. Os relatos sobre o vídeo apresentado descrevem que os sobreviventes estavam sem camisa, desarmados e sem qualquer equipamento de comunicação. As imagens indicam que eles não tinham consciência do que havia acontecido, nem sabiam que militares americanos avaliavam se deveriam atingi-los novamente. Durante quase uma hora, os dois homens lutaram para desvirar uma parte do casco cortado pela explosão inicial.

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O Manual de Direito da Guerra do próprio Departamento de Defesa proíbe atacar combatentes incapacitados, inconscientes ou náufragos, desde que não estejam tentando retomar o combate. Embora Trump tenha divulgado imagens do ataque inicial em sua plataforma Truth Social, nenhuma filmagem da segunda ofensiva — aquela que matou os dois sobreviventes — veio a público. O presidente prometeu divulgar o vídeo integral, mas o Pentágono ainda não o fez. Quando questionado sobre se Hegseth deveria testemunhar sob juramento no Congresso, Trump disse:

— Não me importo se ele fizer. Ele pode, se quiser. Não me importo. Eu assisti [ao vídeo]. Parece que eles estavam tentando virar o barco de volta, mas eu não me envolvo nisso. O almirante que fez aquilo (o ataque) é, como você sabe, um homem altamente respeitado. E salvamos 25 mil pessoas toda vez que derrubamos um barco. Em média, eles matam 25 mil americanos. Então, sabe, eu não gosto de fazer isso, mas as drogas que entram pelo mar caíram 92%. Ninguém quer pilotar barcos para os EUA carregados de drogas. E vamos atingi-los em terra muito em breve também.

‘Sem estratégia’

Autoridades atuais e ex-integrantes das forças de segurança e das Forças Armadas americanas, além de especialistas em narcóticos, porém, afirmam que os cartéis de drogas que operam embarcações no Caribe estão, na realidade, transportando principalmente cocaína da América do Sul para a Europa, e não para os Estados Unidos. E a droga mais letal de todas, o fentanil, é quase exclusivamente contrabandeada por terra a partir do México, segundo o próprio Departamento de Repressão às Drogas (DEA) americano. Ao ser confrontado com os dados, Trump afirmou:

— Bom, eles (venezuelanos) enviam muitas drogas. Esses barcos vêm, em grande parte, da Venezuela, então eu diria que isso é significativo. E você pode ver as drogas; pode ver essas bolsas por todo o barco. Mas deixe-me dizer o que eles realmente fazem: eles enviam pessoas muito, muito ruins para o nosso país, e fazem isso melhor do que qualquer outro. Eles esvaziaram suas prisões para dentro do nosso país, e esses prisioneiros são extremamente perigosos.

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À NBC, Vanda Felbab-Brown, pesquisadora sênior do Instituto Brookings, reforçou que os ataques militares dos EUA no Caribe tinham como alvo barcos que quase certamente transportavam cocaína para a Europa — e não afetariam o grave problema de drogas enfrentado pelos Estados Unidos. Segundo ela, as ações provavelmente não irão dissuadir os cartéis, apenas levá-los a escolher rotas ou métodos diferentes, já que o potencial de lucro continua sendo um forte incentivo. Rahul Gupta, que chefiou o Escritório de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca no governo Biden, classificou a abordagem da administração Trump como “uma tática sem estratégia”.

— Os ataques são simbólicos. Mas o simbolismo não vai tratar pessoas com dependência. O simbolismo não vai desmantelar cartéis, suas redes logísticas, seu modo de ganhar dinheiro e todo o sistema que existe. (Com New York Times e Bloomberg)