Títulos incentivados geram ruídos
A manutenção da isenção de Imposto de Renda de títulos de crédito, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), com a derrubada da medida provisória (MP) 1.303/2025 pelo Congresso, reacendeu o debate sobre a assimetria entre diferentes produtos de investimento no mercado de capitais brasileiro e suas consequências.
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Na prática, dizem os especialistas, a isenção tem provocado resgate de recursos de outras aplicações e desincentivado os investimentos em títulos do governo (o que dificulta a tarefa do Tesouro Nacional na gestão da dívida).
Mas, para um país com déficit de moradias e falta de infraestrutura, esses papéis incentivados são vistos, por alguns analistas, como estratégicos para ampliar investimentos nesses setores — e mudanças tributárias não podem ser feitas apenas visando aumentar a arrecadação do governo, alegam esses especialistas.
Impacto na arrecadação
Para João Braga, fundador da Encore Capital, a derrubada da MP 1.303 impediu que se trouxesse isonomia entre produtos financeiros, além de incentivar as pessoas “a empreenderem menos” no país.
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Na prática, explica o gestor, quem deixa o seu dinheiro aplicado em LCI ou LCA, com retorno de 15% ao ano, não paga imposto, ao passo que uma pessoa que abre uma franquia já paga 10% em imposto e dividendos.
— Isso traz um incentivo para a gente não empreender. E por que isso iria mudar agora? Porque (o governo) precisa de uma compensação (de recursos). E aí tenta mudar o que está errado e não consegue. Essa falta de previsibilidade é a pior coisa para o ambiente de negócios do Brasil — disse Braga.
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O governo propôs a taxação desses títulos, entre outras medidas, para compensar a perda de arrecadação com a não elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), projeto que foi derrubado pelo Congresso. Braga lembra que essa assimetria tributária no mercado de capitais afeta a gestão de ações, já que a Bolsa é tributada em 15%, enquanto a renda fixa tem imposto zero em vários instrumentos.
— Eu queria muito que fosse mais isonômico.
Livres de imposto, esses títulos têm atraído interesse crescente dos investidores. O estoque de LCIs e LCAs cresceu de forma expressiva no primeiro semestre de 2025. As LCIs saltaram 25% no período, totalizando R$ 454 bilhões, enquanto as LCAs subiram 24%, alcançando R$ 588 bilhões, segundo dados da B3.
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Especialistas explicam que a redução do prazo mínimo de vencimento, de 12 e nove meses para seis meses desses papéis, também ampliou o apetite dos investidores que buscam maior liquidez e não querem ficar presos a títulos de longo prazo.
Já os fundos de investimento encerraram o primeiro semestre de 2025 com resgates líquidos de R$ 37,8 bilhões, uma reversão em relação ao mesmo período de 2024, quando houve captação líquida positiva de R$ 190 bilhões, de acordo com dados da Anbima, a associação do setor.
— A isenção de IR de alguns títulos afeta o preço do produto financeiro. Aqueles tributados com alíquotas de 22,5% a 15% de IR precisam pagar rendimentos mais altos ao investidor para serem atraentes — explica Alina Miyake, professora do MBA em Gestão Tributária da Fipecafi.
O Tesouro, por exemplo, vai reduzir a oferta das chamadas NTN-Bs (Notas do Tesouro Nacional Série B) através de leilões extraordinários no quarto trimestre, para não vender papéis com taxas muito elevadas de juros. As NTN-Bs são títulos do governo que têm a rentabilidade atrelada à variação do IPCA mais uma taxa de juros prefixada, pagam IR numa alíquota que varia de 15% a 22,5%, além de ter vencimentos mais longos, que chegam a cinco anos.
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Com taxas de juros reais pressionadas para cima, rolar a dívida pública fica mais caro, crescendo a percepção de risco fiscal no mercado. Além disso, a concorrência com os títulos isentos de IR também ajuda a elevar as taxas desses papéis, que precisamo oferecer rentabilidade maior já que pagam imposto.
Na avaliação de Alina, da Fipecafi, distorções como essa poderiam ser corrigidas com a abolição de incentivos para papéis desses setores (agro, imobiliário). Isso, claro, dentro de uma regra de transição, avalia a especialista.
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Filipe Albert, responsável por originação e estruturação no Banco Fator, avalia que, ainda é preciso incentivar investimentos em moradia e infraestrutura no país. Acabar com o incentivo do IR às LCIs e LCAs teria como principal motivação, na sua avaliação, elevar a arrecadação do governo, em vez de corrigir eventuais distorções do mercado.
— Acho que é um tema que deve ser acompanhado de perto, mas ainda existe um consenso de que é preciso, como estratégia de crescimento do país, incentivar investimentos em moradias e infraestrutura — afirma.
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Para ele, as NTN-Bs emitidas pelo Tesouro continuam altamente líquidas, com demanda de investidores institucionais e grandes fundos de renda fixa. Ele avalia que a gestão da dívida pública é feita de maneira bem ordenada pelo Tesouro, e vê impactos ainda limitados da “competição” de papeis incentivados pela isenção do IR. Mas, diz Albert, cada vez mais esse cenário é relevante e deve estar no radar do governo.
Política regressiva
Em artigo recente publicado no GLOBO, o ex-presidente do Banco Central e fundador da Gávea Investimentos, Armínio Fraga, criticou as isenções de alguns papeis de renda fixa, destacando que, do ponto de vista tributário, essa política é altamente regressiva, já que quem investe nestes papéis está entre os 10% mais ricos da população.
Ele afirmou ainda que a isenção interfere na alocação eficiente de recursos na economia e é “marota”, pois os subsídios não são computados no Orçamento do país. Além disso, argumentou, esse benefício entra em contradição com a já estressada política monetária e é “fiscalmente catastrófico”.
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