Terras raras: setor de mineração considera orçamento atual insuficiente para plano de supermapeamento
O país desconhece mais de 70% do potencial do território - mesmo assim, conta com a segunda maior reserva do mundo. Segundo o Serviço Geológico do Brasil, o orçamento cobriria basicamente atividades de campo e análises científicas. O Instituto Brasileiro de Mineração, que representa as principais mineradoras do país, afirma que o atual orçamento do Serviço Geológico do Brasil não é suficiente para cobrir o projeto de supermapeamento de terras raras do governo federal.
Em meio ao impasse das tarifas impostas pelo presidente americano, Donald Trump, o governo encontra nos minerais estratégicos uma possibilidade para tentar reverter a taxação de 50% aos produtos brasileiros.
O interesse dos Estados Unidos se dá pelo potencial bélico dos minerais críticos, já que são peças-chave para produção de mísseis, bombas e drones de guerra, compondo a indústria de defesa militar do país. Além disso, esses elementos contam com propriedades magnéticas e luminescentes, sendo indispensáveis para o funcionamento de tecnologias modernas, como smartphones e ímãs, e para a transição energética, pois são usados em carros elétricos e painéis solares também.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, o Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo, o que representa 25% da reserva mundial, atrás apenas da China. A atenção norte-americana aos minerais brasileiros surge também no momento em que o país está à procura de alternativas para o fornecimento de terras raras, na intenção de reduzir sua dependência de Pequim.
As terras raras são um grupo de 17 elementos químicos, presentes em abundância em vários países, incluindo o Brasil, que possui também vastas reservas de nióbio, lítio e cobalto, por exemplo. Esses materiais não são raros no planeta, mas são difíceis de serem extraídos e processados. Isso se dá pelo caráter pulverizado no subsolo, já que eles costumam estar dispersos e menos compactos, o que dificulta definir o tamanho da jazida.
Além disso, apenas 27% do território continental brasileiro é mapeado. Ou seja, o país desconhece com precisão mais de 70% do subsolo nacional. Dessa forma, o mapeamento geológico das terras raras é um trabalho que exige pesquisa e investimento, missão que está a cargo do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
Segundo o SGB, a maior parte desses minerais aqui no Brasil está concentrada, principalmente, nos estados de Minas Gerais, Goiás, Amazonas, Bahia e Sergipe. Apesar do grande número de reservas, o Brasil produziu, em 2024, apenas 20 toneladas de terras raras, menos de 1% da produção mundial, que foi de 390 mil toneladas.
Para que o país alcance uma posição relevante na oferta global dessas matérias-primas, o Serviço Geológico do Brasil calcula que o orçamento ideal do governo para mapeamentos geológicos teria de ser cerca de 200 milhões de reais até 2034. Esse valor, no entanto, representa um cenário bastante otimista para os geólogos atualmente.
Caso a média atual de recursos destinados ao Serviço Geológico do Brasil seja mantida, a estimativa é que apenas 77 milhões de reais sejam destinados para esse tipo de estudo ao longo dos próximos dez anos. Esse orçamento cobriria basicamente atividades de campo e análises científicas, sem entrar na conta os investimentos em infraestrutura, como computadores, nem salários e obrigações trabalhistas dos profissionais envolvidos no processo.
O diretor de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração, Julio Nery, afirma que esse valor atual não seria suficiente para realizar o supermapeamento planejado pelo governo:
"O principal desafio que o IBRAM enxerga nesse processo é que o Serviço Geológico Brasileiro tenha os recursos para fazer esse mapeamento. O Serviço Geológico tem competência. Nós temos que investir não só 77 milhões, aí em 10 anos seria pouco para isso, não seria suficiente para ter uma escala de mapeamento necessária para que você tenha um bom conhecimento do nosso subsolo. Nós entendemos que para isso é necessário ter uma mão de obra especializada em pesquisa tecnológica para que as mineradoras tenham pessoal para trabalho".
O advogado e doutor em geografia pela Universidade de Brasília, Luiz Ugeda, disse que o mais provável é que o investimento para o projeto surja do regime de outorgas. Como tradição no Brasil, a concessão de terras raras para a iniciativa privada atrairia mercados internacionais que dominam a cadeia produtiva dos minerais críticos:
"Se nós tivermos um regime de outorgas que beneficie mais o investimento externo, sem abrir mão de soberania, a chance de nós sermos mais assertivos nesse segmento econômico é maior. Se nós dependemos apenas do caixa estatal e apenas de empresas públicas para fazer essa exploração, a tendência é que nós mantenhamos um controle maior, mas nós continuemos com percentual diminuto no mercado global. Por outro lado, tem uma pressão internacional que quer ter acesso a esses minerais".
No entanto, a busca por novos investidores por meio dos minerais estratégicos pode deixar rastros destrutivos durante o processo de supermapeamento. A doutoranda em Direito Ambiental pela USP, Fernanda Rezende Martins, explicou que todas as etapas do ciclo de exploração trazem prejuízos socioambientais - a diferença está na intensidade.
Segundo a pesquisadora, a pesquisa mineral, como parte do mapeamento, pode causar efeitos como perfuração profunda e rejeitos químicos no local, mas também coloca em risco as comunidades que vivem nas regiões de interesse:
"Obviamente esse mapeamento é um momento que realmente tem um menor impacto ambiental, mas ele induz aí a um grande prejuízo no futuro, se a atividade de mineração não for feita legalmente. O ponto mais crítico é a ausência de diálogo. Mesmo sendo o Estado que está realizando o mapeamento, é necessário, sim, informar e consultar comunidades que vivem nessas áreas, né? Principalmente povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, agricultores... Porque o simples anúncio de potencial mineral já afeta o modo de vida da comunidade ali e aumenta a insegurança territorial".
A especialista em direito ambiental acrescentou, ainda, que apesar da potência mineral do país, o Brasil deve tomar cuidado para não repetir a lógica histórica de ser um mero exportador de recursos minerais, sem agregar valor à própria cadeia.
No momento, o governo apresenta uma Política Nacional de Minerais Críticos, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Por meio do texto, que está em análise, será criado o Comitê de Minerais Críticos e Estratégicos para definir as prioridades do setor.
Vale lembrar que o Brasil foi referência na indústria de terras raras nas décadas de 1940 e 1950, mas ficou para trás na cadeia de produção devido a poucos investimentos em pesquisa e tecnologia na área. Agora que o mundo valoriza mais que nunca o potencial de fabricação de energia limpa e de tecnologias de ponta dessas matérias-primas, o Brasil tenta recuperar uma posição relevante na corrida global pelos minerais estratégicos.
*Com supervisão de Fábio Portugal e Lucas Soares
