Terapia no esporte: especialistas explicam a importância do acompanhamento psicológico para jovens atletas
No mundo dos esportes, é essencial que o corpo e a mente estejam em equilíbrio. Ginasta e ganhadora de duas medalhas de ouro, nas Olimpíadas de Tóquio e Paris, Rebeca de Andrade, de 26 anos, defende que não chegaria onde chegou sem o acompanhamento psicológico, o qual iniciou aos 13.
Em declarações recentes, ela afirma que agora está pronta para dar um novo passo e iniciar sua jornada como estudante de psicologia. O amparo proporcionado pela terapia a inspirou a ajudar outras pessoas em suas próprias jornadas.
“Se não fosse a psicologia, muitas coisas que aprendi a respeitar dentro de mim não seriam respeitadas. Talvez, eu nem conseguisse me reconhecer como pessoa, para além da Rebeca Andrade que todo mundo conhece”, declara a atleta em um vídeo compartilhado nas redes sociais do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
Fase de turbulências
De acordo com a psicóloga Paula Teixeira Fernandes, professora da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Grupo de Estudos em Psicologia do Esporte e Neurociências (GEPEN), a combinação da turbulência causada pelas mudanças na adolescência e o hábito de sempre esperar os melhores resultados do esporte é complexa.
— O ambiente esportivo, de treinos intensos, metas de desempenho, lesão e recuperação, transição de carreira, expectativas internas e externas, faz com que o jovem atleta se sinta sobrecarregado. Com isso, temos um cenário que pode ser desafiador demais para ser enfrentado sem ajuda profissional — explica.
A psicóloga Marcela Ometto, pós-graduanda em neurociência e comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), aponta que para os jovens atletas que estão começando, chegam ao consultório muitas questões relacionadas à insegurança que surge da comparação e do que as pessoas vão pensar.
— Já daqueles que competem há um tempo ouço muitos relatos sobre ansiedade, pressão por desempenho que o jovem coloca nele mesmo e também sofrimento que surge com as dificuldades, como falta de apoio financeiro — afirma.
Para Ellen Rayane, corredora de 18 anos de Salvador, na Bahia, a dificuldade de lidar com lesões e o acúmulo de cansaço emocional fizeram com que procurasse a Associação de Apoio à Saúde do Atleta (AASA).
Com a ajuda da organização criada por atletas baianos, ela pôde ter acesso à terapia de forma gratuita.
— A minha decisão veio, principalmente, porque eu já estava muito cansada de dar conta de tudo sozinha. Às vezes me sentia insuficiente por não conseguir cumprir as demandas. Por isso, procurei ajuda — relata.
Para ela, a terapia a incentivou a ver a vida competitiva de outra maneira:
— Aprendi que nem sempre temos os 100% para entregar. Em alguns dias vai ser apenas 10% e mesmo assim está tudo bem — conta.
Ellen acredita que a troca regular com uma psicóloga tem já mostrado um efeito positivo na sua vida pessoal e no esporte.
— É muito importante fazer isso, para continuar se dedicando (em ambos) e observar a melhora — conclui.
Nesse sentido, a terapia funciona como um espaço seguro onde o adolescente pode se conhecer melhor, reconhecer, aceitar e regular suas próprias emoções.
— A terapia não é apenas um apoio. É o diferencial que cuida da saúde mental, protege a integridade emocional do(a) jovem atleta e constrói uma carreira mais saudável, equilibrada, feliz e duradoura — aponta Fernandes.
Além disso, segundo Ometto, o adolescente consegue aprender a se “equipar” emocionalmente para alinhar a expectativa com a realidade.
— Isso também ajuda a pessoa a se conhecer melhor e identificar quais são os seus próprios pontos fortes e a trabalhar melhor com eles — ressalta.
Armando Lima, treinador formado em educação física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por sua vez, destaca que enfrentar especialmente a frustração sem a ajuda de um profissional é algo que pode até mesmo fazer com que o adolescente não consiga permanecer no esporte.
— Um psicólogo vai poder ajudar meu aluno de formas que eu, como profissional da educação física, não consigo. Às vezes, os problemas que surgem ao longo do caminho são mais profundos e difíceis de ajudar com um conselho ou uma conversa. E eu vejo que aqueles que têm esse acompanhamento conseguem evoluir sem prejudicar o próprio emocional — comenta.
Dessa forma, Ometto esclarece que dentro da terapia o psicólogo vai fazer um trabalho alinhar os objetivos e metas do adolescente com ferramentas que permitam que ele não prejudique a sua saúde mental em prol de resultados.
— O foco é, em grande parte, em entender a importância do equilíbrio. E claro, trazer aquela mente jovem para a realidade da vida, de que não dá para crescer sem abrir mão de algumas coisas. Esse processo fornece caminhos — aponta.
A longo prazo, isso gera um atleta com habilidades psicológicas fundamentais para a vida esportiva: autoestima, autoconfiança, resiliência, regulação emocional e foco, observa Fernandes.
— E vale a pena destacar: muitos atletas jovens estão envolvidos em treinamentos sistemáticos e intensivos desde muito cedo, muitas vezes na infância ou pré-adolescência, com o sonho de alcançar o alto rendimento em níveis nacionais ou internacionais. Isso exige mudanças profundas em suas vidas em uma fase já marcada por grande vulnerabilidade psicológica. Por isso, a terapia se torna ainda mais essencial, pois auxilia o adolescente a manter uma estrutura interna estável (saúde mental) diante de uma rotina que é, muitas vezes, exigente demais para sua idade — conclui.
