STF decide que municípios de SP não podem proibir mototáxi, e capital reage: 'falta de sensibilidade'
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta segunda-feira (10) referendar a suspensão da lei estadual paulista que definia a regulamentação e restrição do transporte remunerado de passageiros via aplicativos de mototáxi. A decisão validou o entendimento inicial do relator, ministro Alexandre de Moraes, e provocou reação da Prefeitura de São Paulo, que falou em “falta de sensibilidade" da corte.
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A Corte formou maioria para acompanhar o voto do ministro Moraes, que suspendeu a norma estadual sob o argumento de que a competência para legislar sobre matérias de trânsito e transporte é exclusiva do Congresso Nacional. O relator citou precedentes do STF que desaprovam legislações locais que tentam regulamentar serviços de transporte urbano sem o devido respaldo da lei federal. Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli, Edson Fachin, Cármen Lúcia, André Mendonça, Flávio Dino e Cristiano Zanin.
"Tenho, assim, por aplicável ao caso os precedentes deste Supremo Tribunal Federal que censuram legislações locais editadas como escopo de regulamentar serviços de transporte urbano em contrariedade, ou sem o respaldo, de legislação federal", disse o ministro.
Em nota enviada ao GLOBO, a Prefeitura de São Paulo se manifestou criticamente à decisão. "A Prefeitura de São Paulo lamenta a falta de sensibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) com um assunto que envolve acidentes de trânsito e a preservação da vida," afirmou o Executivo municipal.
Batalha nos tribunais e decisões anteriores
A decisão do STF ocorre em meio a uma disputa regulatória de longa data na capital. Em janeiro de 2023, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) havia editado o Decreto Municipal 62.144, que determinou a "suspensão temporária" do mototáxi, tanto tradicional quanto por aplicativo. Um grupo de trabalho municipal havia concluído que o modal poderia elevar o número de acidentes.
Contudo, este decreto municipal foi derrubado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). Por unanimidade, o Órgão Especial do TJSP declarou a inconstitucionalidade do ato municipal que proibia o serviço. O Tribunal considerou que, embora o município não possa proibir o serviço (que exigiria lei federal), ele tem o poder de regulamentar e fiscalizar a atividade. O TJSP concedeu à prefeitura um prazo de 90 dias, a partir da publicação do acórdão, para que o serviço fosse devidamente regulamentado na capital.
A Confederação Nacional de Serviços (CNS), que havia entrado com o pedido de liminar no STF contra a lei estadual, argumenta que a proibição não resolve o problema, mas sim impulsiona a clandestinidade. O advogado da CNS, Ricardo Oliveira Godoi, defendeu no TJSP que o serviço beneficia a população da periferia com preços mais acessíveis e atua como uma forma vital de aumentar a renda dos motociclistas.
A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa gigantes do setor como 99 e Uber, não emitiu posicionamento sobre a decisão do STF. Anteriormente, a Amobitec declarou que via a determinação do TJSP como um avanço. A entidade reforçou seu entendimento de que as prefeituras devem regulamentar e fiscalizar a atividade, mas não bani-la, e que suas empresas associadas poderão retomar o serviço de mototáxi após o esgotamento do prazo de 90 dias determinado pelo TJSP.
“O entendimento do TJ reitera o que foi sempre defendido pela Amobitec: que compete às prefeituras regulamentar e fiscalizar a atividade, mas não proibir. Os desembargadores determinaram ainda que a decisão será colocada em prática 90 dias após a publicação do acórdão. Após esse prazo, as empresas associadas à Amobitec poderão retomar o serviço", acrescentou à época a entidade, que representa a 99 e a Uber.
O Governo do Estado informou que ainda não foi notificado da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal.
Vai-vem do motoapp em São Paulo
O transporte por moto na capital paulista é alvo de uma longa batalha judicial que começou em 2018, na gestão do então prefeito Bruno Covas, que chegou a sancionar lei proibindo o modal no município, que posteriormente foi derrubado pela Justiça.
Em 2023, a Uber lançou o serviço de transporte de passageiros por moto na cidade, mas Nunes editou o decreto municipal para suspender o modal, o que foi cumprido. Dois anos depois, em 14 de janeiro deste ano, foi a vez da 99 lançar serviço parecido, ainda que o decreto estivesse vigente.
Tanto a 99 quanto a Uber sempre se ampararam em legislações federais para operar e afirmam que o não cabe aos municípios proibirem o modal – elas operam em outras capitais do Brasil e também em cidades da Grande São Paulo. A prefeitura de São Paulo acionou a Justiça e conseguiu barrar o motoapp ainda em janeiro.
Em maio, outra decisão judicial liberou o modal na cidade, e as empresas voltaram a operar. Mas durou pouco: a Justiça voltou a proibir o serviço poucos dias depois.
Tarcísio também suspendeu motoapp
Em junho, dois dias antes da data em que o TJSP julgaria a proibição do motoapp em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que fixou que o mototáxi e o motoapp ficam condicionados "à autorização e regulamentação dos municípios" do estado, e que se a cidade decidir autorizar, deve fixar algumas regras:
O motociclista deverá possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria A, com a autorização para exercer atividade remunerada, além de apresentar certidão negativa de antecedentes criminais;
A motocicleta deverá respeitar regras sobre ano e modelo exigidas pelo município;
Os aplicativos deverão recolher Imposto Sobre Serviço (ISS) pelo transporte por moto, além de oferecerem seguro de acidentes pessoais aos passageiros;
O motociclista deverá estar inscrito como contribuinte individual no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
A lei ainda destaca que a exploração desses serviços sem o cumprimento dessas regras será considerado "transporte ilegal de passageiros", mas caberá à cada prefeitura prever multas e detalhar a fiscalização.
