Sinalização de veto do Planalto a emendas após governistas darem aval a acordo provoca desconforto no Congresso
A sinalização do Palácio do Planalto de que pretende recomendar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o veto ao trecho aprovado pelo Congresso que permitiria a revalidação de cerca de R$ 1,9 bilhão em restos a pagar de emendas parlamentares provocou desconforto no Legislativo e reações divergentes entre governistas, Centrão e oposição.
O veto ainda não foi formalizado, mas a orientação em discussão no Executivo já gerou ruído político, sobretudo entre parlamentares que participaram da negociação do dispositivo.
O trecho foi incluído durante a tramitação do projeto do governo que reduz em 10% as renúncias fiscais e já está suspenso por decisão liminar do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão ainda será analisada pelo plenário da Corte, enquanto o presidente Lula tem prazo legal para decidir se sanciona ou veta o texto aprovado pelo Congresso.
Parlamentares do Centrão ouvidos sob reserva pelo GLOBO relatam irritação com o que classificam de quebra de compromisso e afirmam que o governo esteve representado nas negociações que viabilizaram a aprovação do trecho. A leitura predominante é que o Planalto tentou transferir ao Congresso o desgaste político.
— A decisão de suspender ou vetar confronta o que foi decidido pelo Legislativo e acordado internamente com todos os partidos. Se a Câmara ou o Senado discordarem, podem recorrer ao STF, mas é uma situação muito delicada, porque já é a última instância e, provavelmente, o entendimento será mantido — diss o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que foi relator da chamada PEC da Blindagem
Segundo parlamentares envolvidos na negociação, o dispositivo foi apresentado como uma solução técnica para preservar restos a pagar de obras em andamento ou paralisadas, evitando a perda definitiva de recursos já empenhados. Técnicos calcularam que a medida permitiria revalidar cerca de R$ 1,9 bilhão em emendas não pagas entre 2019 e 2023, inclusive já canceladas.
O relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), afirmou publicamente que inseriu o trecho a pedido do Executivo, versão que o Palácio do Planalto nega nos bastidores. No Senado, o artigo foi mantido pelo relator, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), o que ampliou o desconforto entre parlamentares diante da sinalização de recuo posterior do Planalto.
Entre governistas, a estratégia tem sido marcar distância do dispositivo e reforçar a narrativa de que o trecho foi incluído sem o conhecimento da bancada do PT. Aliados do governo afirmam que a eventual decisão de vetar busca conter danos e evitar que o Executivo seja associado à reabertura de mecanismos ligados ao antigo orçamento secreto.
— O jabuti que foi colocado foi incluído sem que a bancada do PT soubesse, por pressão do Centrão e do bolsonarismo. A decisão de Dino foi excelente. São emendas do orçamento secreto lá de trás, não têm nada a ver conosco — afirmou o deputado Rogério Correia (PT-MG).
Nos bastidores do Planalto, a avaliação é a de que a sanção integral do dispositivo ampliaria o risco de judicialização e poderia gerar novo desgaste na relação com o Supremo.
Na oposição, apesar do discurso público mais ruidoso contra o governo e o STF, as avaliações internas são mais fragmentadas, e não há consenso contra a sinalização de veto.
— Tinha acordo, sim, mas é inconstitucional. Foi correta a decisão mais recente (do Dino) sobre reviver restos a pagar — disse o deputado Kim Kataguiri (União-SP).
Na decisão liminar, Flávio Dino sustentou que restos a pagar regularmente cancelados deixam de existir no plano jurídico e que sua revalidação equivale, na prática, à criação de nova autorização de gasto sem respaldo em lei orçamentária vigente. Para o ministro, o trecho tenta reabrir espaço para a execução de recursos vinculados ao antigo orçamento secreto, já declarado inconstitucional pelo STF por falta de transparência e critérios objetivos.
O episódio ocorre em meio a uma relação já tensionada entre Executivo e Legislativo, após um ano marcado por atrasos na liberação de emendas.
O Planalto ainda precisa formalizar sua decisão e, caso opte pelo veto, o tema voltará ao Congresso.
