Renato Freitas: quem é o deputado do PT-PR que denunciou racismo e trocou socos em rua de Curitiba
Alvo de ao menos quatro pedidos de cassação após se envolver numa briga de rua em Curitiba, na quarta-feira, o deputado estadual Renato Freitas (PT-PR) já teve o mandato ameaçado outras várias vezes. Nesta quarta-feira, o parlamentar disse ter reagido e trocado socos com um homem que o havia humilhado, perseguido e discriminado. O parlamentar afirmou ter agido em defesa própria, em reação a ofensas de caráter racista e ideológico de outro homem, cujo nome não foi divulgado. As imagens do embate viralizaram nas redes sociais, e adversários políticos decidiram, mais uma vez, pedir a cassação dele.
Pelo menos quatro processos disciplinares contra Freitas foram arquivados nos últimos anos. Freitas chegou a ser condenado a receber uma advertência por escrito por chamar o então presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) Ademar Traiano (PSD) de corrupto. O petista havia denunciado Traiano por ter recebido propina para renovação do contrato da TV Assembleia, em 2015 — o parlamentar admitiu tê-lo feito em Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) com o Ministério Público paranaense, mas o processo foi arquivado. Em março de 2024, o caso contra Freitas também foi encerrado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, que acolheu o argumento de prescrição movido pela deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT).
Em agosto de 2023, a Alep arquivou o terceiro processo administrativo contra Freitas — aberto, desta vez, por suposta falta de compostura nas sessões. O Conselho de Ética entendeu que os discursos de Freitas não quebraram o decoro parlamentar. Como noticiou o GLOBO na época, o processo enfrentado levava em conta ocasiões em que chamou o governador do estado, Ratinho Júnior (PSD), de "rato" e criticou o empresário Luciano Hang em plenário.
Já vereador de Curitiba, em 2020, o político foi flagrado pichando um mercado de Curitiba. Foi detido em 2021 pela Polícia Militar sob acusação de obstruir a ação de agentes que abordavam outra pessoa e, em 2022, num ato contra o governo Bolsonaro. Freitas chegou a ter seu mandato cassado e revertido por decisão judicial em duas ocasiões. As representações na Câmara ocorreram por um episódio de fevereiro de 2022, quando ele liderou a entrada na igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, no centro histórico da capital, durante ato contra o racismo.
O caso gerou comoção nacional e foi comentada inclusive pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). À época, o chefe do Executivo pediu a investigação dos responsáveis, mas a própria Arquidiocese de Curitiba se posicionou contrariamente à cassação. Não foi o primeiro procedimento administrativo de Renato Freitas. Logo no começo de seu mandato, ele se tornou alvo de um pedido após protestar pela morte de Beto Freitas, espancado e assassinado por seguranças do Carrefour em novembro de 2020.
Em agosto deste ano, o plenário da Alep ratificou parecer aprovado pelo Conselho de Ética e pela CCJ sobre outro processo disciplinar, que previa a suspensão das prerrogativas de Renato Freitas (usar a palavra, se candidatar à Mesa Diretora, relatar proposições, por exemplo) por 30 dias, pela atuação dele na manifestação ocorrida no Parlamento em junho de 2024. Os deputados estaduais Tito Barichello (União) e Ricardo Arruda (PL) alegaram que o petista se aproveitou de sua prerrogativa como parlamentar para facilitar o acesso à Alep de manifestantes à contra o projeto de lei 345/2024, que instituiu o Programa Parceiro da Escola. Vidros, portas de acesso e cadeiras foram quebrados. A defesa nega ação direta e alega prescrição. Freitas disse que a punição configurava censura.
Em novembro deste ano, o Conselho de Ética adiou a a sessão de análise do relatório de Barichello sobre outra representação de Arruda contra Freitas e Ana Júlia (PT), após pedido de vista. Barichello defendeu o arquivamento do processo. Na ocasião, o presidente do Conselho, Delegado Jacovós (PL), definiu os relatores de uma série de novas representações — oito delas contra Renato Freitas, por suposta quebra de decoro em postagens nas redes sociais, supostos casos de injúria e difamação.
Das oito representações, quatro delas se referem ao mesmo caso e tramitam em conjunto. Barrichello, Arruda e pelos vereadores de Curitiba Bruno Secco (PMB) e Guilherme Kilter (Novo) pediram que o petista perdesse o mandato após um protesto num supermercado de Curitiba, em junho deste ano, pela morte de Rodrigo da Silva Boschen. O jovem de 22 anos teria furtado itens e sido espancado por homens, incluindo funcionários do estabelecimento, em 19 de junho. Os manifestantes travaram os caixas temporariamente. Os políticos de direita disseram que Freitas abusou de suas prerrogativas e agiu de forma incompatível com o cargo.
Para além dos processos na Alep, Renato Freitas já denunciou ter sido alvo de discriminação outras vezes. Em 2022, então vereador, ele disse ter recebido um e-mail com mensagem de cunho racista: "Volta para a senzala", dizia o correio eletrônico, revelado na época pelo Brasil de Fato. "Vamos branquear Curitiba e a região Sul queira você ou não. Seu negrinho".
Novas representações
As novas representações, pela briga na rua, serão regidas por novas regras. Em setembro deste ano, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovou seu primeiro Código de Ética e Decoro Parlamentar. Até então, o tema seguida o regimento interno. O texto final aumentou de cinco para sete o número de membros do Conselho de Ética e listou 20 atos incompatíveis com o decoro parlamentar, passíveis de punição com sanções que vão desde a advertência verbal até perda de mandato.
O Código prevê como quebra de ética e decoro parlamentar, por exemplo, "praticar ofensas físicas ou vias de fato a qualquer pessoa, mas ressalva que esse ato deve ocorrer "no edifício da Assembleia Legislativa e suas extensões ou fora dela, desde que no exercício do mandato".
Lideranças do PT e de outras legendas da esquerda saíram em defesa de Renato Freitas. O presidente nacional do PT, Edinho Silva, expressou "total apoio" a Renato Freitas e o descreveu como uma "liderança reconhecida na luta antirracista, por igualdade, democracia e direitos". O petista classificou o episódio contra o correligionário como "inadmissível e criminoso".
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Já a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), destacou que Freitas foi "alvo de uma evidente provocação que terminou em agressão, às vésperas do Dia da Consciência Negra".
"Não podemos normalizar a violência política nem permitir retrocessos no enfrentamento ao racismo", ressaltou, em nota de solidariedade nas redes sociais.
O Partido dos Trabalhadores do Paraná também repudiou a agressão a Freitas e denunciou "o caráter racista que atravessa o episódio". "Não aceitaremos que agressões motivadas pelo ódio, pela intolerância e pelo preconceito sejam normalizadas ou tratadas como meras “confusões”. Nossa trajetória sempre foi de defesa intransigente dos direitos humanos, da democracia e do enfrentamento direto ao racismo", escreveu a legenda, em nota.
A Polícia Civil do Paraná afirmou ao GLOBO, às 10h57 desta quinta, não ter sido notificada sobre o caso até o momento. A Assembleia Legislativa do Paraná afirmou ter recebido, até a tarde de quarta, ao menos quatro pedidos de cassação e que os documentos seriam enviados ao Conselho de Ética.
A briga virou tema de provocação por parte de adversários políticos de Renato Freitas, como integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), entre outros perfis ligados ao conservadorismo, e munição política para representantes da direita do Paraná.
Pelo menos quatro adversários políticos — os vereadores da capital Bruno Secco (PMB) e Guilherme Kilter (Novo) e os deputados estaduais Ricardo Arruda (PL) e Tito Xerifão (União) — afirmaram que pediriam a cassação do petista.
"ABSURDO! VERGONHA! O que o deputado Renato Freitas fez nas ruas de Curitiba é INACEITÁVEL. Isso não é postura de um deputado estadual, não é comportamento de alguém que deveria representar o povo do Paraná. Como parlamentar, vou pedir imediatamente a cassação dele na Comissão de Ética. Chega de transformar a política em baderna!", escreveu Arruda, no Instagram.
Pelo Instagram, Kilter disse que o pedido de cassação seria "mais um" contra Renato Freitas, a quem acusou de invadir uma igreja e agredir uma mulher num supermercado. Ele disse que "sair no soco na rua" é "claramente" uma quebra de decoro parlamentar. Já o deputado estadual Tito Xerifão (União-PR) pediu "cassação já" do petista e afirmou já ter protocolado pedido para isso.
— Não pode sair brigando na rua. A função do deputado é legislar e fiscalizar a lei. Não é sair no soco, seu Renato Freitas — disse, em vídeo no Instagram.
A briga ocorreu pela manhã, na região da rua Vicente Machado, uma das principais vias do Centro de Curitiba. Nas imagens que circulam pelas redes sociais, o deputado, de camisa amarela, discute com um homem vestido de preto. Um assessor do petista, de azul, estava junto. O deputado faz menção a outras pessoas que estariam com o homem de preto e pede que ele se afaste. O homem se aproxima e leva um empurrão do parlamentar, que é agredido no rosto.
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Na sequência do confronto, o petista dá dois chutes na perna do homem, que responde com um soco no rosto. Em outro vídeo, gravado de dentro de um carro, é possível ouvir um homem perguntar: "— Você não é o famosinho?". O petista acaba por imobilizar o homem de preto antes de outras pessoas apartarem a briga.
Afiliada da TV Globo no Paraná, a RPC informou que o deputado sofreu uma fratura no nariz e precisou ser encaminhado para atendimento médico.
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Outros apoiadores compartilharam imagens do episódio e defenderam o petista como a vítima do caso. O deputado federal Josias Gomes (PT-BA) afirmou ser "revoltante" que Renato Freitas "tenha sofrido ataques racistas e violência física à luz do dia por parte de extremistas" e destacou a data da ocorrência: véspera do Dia da Consciência Negra.
A deputada estadual no Paraná Ana Júlia Ribeiro (PT) publicou uma nota de solidariedade a Freitas e disse que a agressão "torna-se ainda mais grave quando dirigida a um representante eleito que já enfrenta histórico de ataques". Ela afirmou que o correligionário foi agredido primeiro e que adversários tentam "inverter responsabilidades" para reforçar narrativas "que buscam deslegitimar sua atuação e alimentar perseguições já conhecidas". A nota acrescenta que o episódio não é isolado, mas integra "um contexto racista e da violência política que segue mirando lideranças negras que ocupam espaços de poder".
Já o deputado federal André Janones (Avante-MG) compartilhou um vídeo que, segundo ele, mostra os momentos antes da briga e avaliou que o petista reagiu a um ataque de um "verme vagabundo".
"Hoje foi o Renato Freitas. Amanhã pode ser qualquer pessoa preta nesse país. Semana que vem apresento meu Projeto de lei que reduz a pena da vítima de racismo que reage à ofensa. Racismo é violência e violência extrema gera reação!", destacou.
Deputado cita racismo e humilhação
Em vídeo publicado nas redes sociais, Freitas disse que entrou na briga pelo mesmo motivo que o fazia brigar na rua no Ensino Fundamental: "humilhação, racismo, injúria, violência, agressão".
— Eu não aprendi a baixar a cabeça. Não me orgulho de estar brigando na rua, jamais. Você que está me assistindo, não inveje o homem violento, e nem siga nenhum dos seus caminhos. Mas o fato é que hoje eu estava com a minha amiga, também negra, nós dois atravessando uma rua, e o cara tocou o carro em cima de nós para dar um choque, para mostrar que ele tem um carro, que ele tem poder ou sei lá o quê — relatou o parlamentar.
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O deputado disse que apenas olhou para o motorista, que baixou o vidro e disse: "Tá olhando o quê?".
Segundo Freitas, o homem teria começado a xingar e depois, teria descido do carro e iniciado as provocações e agressões. O parlamentar afirmou que foi perseguido pelo homem, que estaria filmando o episódio, na opinião dele, "para criar views".
— É Curitiba, fio (sic). Para sobreviver, só sendo sobrevivente — afirmou.
