Relatório da ONU para COP 30 lista poucas promessas para o clima, com metas insuficientes
O relatório-síntese da Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) deste ano, que prepara o debate para a COP 30, saiu nesta manhã o com o conteúdo incompleto e insuficiente. Só 64 dos 197 países entregaram a atualização de suas promessas de ação no combate à crise climática. Entre as já entregues, poucas são satisfatórios.
Essa frustração já era esperada em alguma medida desde o ano passado, quando começou a ser prorrogado sucessivamente o prazo de submissão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), os documentos em que governos oficializam suas propostas. Esse silêncio diplomático, evidente agora na publicação oficial das Nacões Unidas, dá uma ideia da dificuldade que será avançar nas negociações em Belém.
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O principal conteúdo das NDCs, as promessas de corte de emissões, é importante para a conta de quanto falta fazer para conter o aquecimento global a um acréscimo de no máximo 1,5°C, a meta do Acordo de Paris. As promessas entregues, porém, cobrem apenas 30% das emissões globais, tornando difícil fazer projeções sem saber bem o que vai ocorrer com os outros 70%.
"Não é possível tirar conclusões ou inferências abrangentes em nível global a partir desse conjunto de dados limitado", afirmou a UNFCCC explicitamente no documento.
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Nesta rodada de entrega dos documentos, foi solicitado a países que declarassen suas metas para o período de 2030 a 2035. A ideia é entender se a taxa de cortes pretendidos é suficiente para honrar a meta de Paris.
O relatório se limitou, então, a fazer a análise daquelas promessas entregues no prazo, e mesmo dessas não tirou notícias animadoras.
"Coletivamente, as novas NDCs apontam para uma redução de 17% nas emissões projetadas, em relação ao nível de 2019", afirma a UNFCCC. Essa queda, porém, precisaria ser de 57% para se alinhar à meta de Paris, apontou já há vários anos o painel de cientistas climáticos da ONU, o IPCC.
"Segue evidente que uma grande aceleração ainda é necessária em termos de entregar reduções de emissões mais rápidas e mais profundas e de garantir que os vastos benefícios de uma ação climática profunda contemplem todos os povos e países", diz o texto da convenção.
O relatório-síntese deste ano, como manda o protocolo, não aponta o dedo para culpados, e fala apenas de um cenário coletivo. A lista de NDCs submetidas até agora, porém, deixa evidente quais são as grandes ausências.
O maior emissor de CO2 do mundo, a China, anunciou sua promessa de maneira informal e ainda não a oficializou, o que a deixou de fora do relatório. A União Europeia, que como bloco é o quarto maior emissor, também segue em dívida, bem como a Índia, o terceiro maior.
Omissão no G20
Quando considerado apenas o bloco do G20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, apenas sete membros têm novas NDCs.
— Isso é frustrante, porque a gente está vendo mesmo um ciclo de atraso — afirma Natalie Unterstell, presidente do think-tank de política climática Instituto Talanoa. — Será que 13 membros do G20 boicotaram o relatório nesse ano? Este é o sinal que eles passam quando a gente chega à COP sem ter um quadro claro da situação global, enxergando apenas um terço do planeta. Esse relatório confirma o que todo mundo já sabia e ninguém quer dizer em voz alta: o mundo está empurrando o problema com a barriga.
Esta não foi a primeira vez que o relatório-síntese da UNFCCC atrasou para uma COP. O mesmo aconteceu em 2021, em Glasgow, mas a situação era diferente. Naquele ano o mundo mal a começava a sair do caos sanitário provocado pela pandemia de Covid-19, e os países ainda não tinham realizado um primeiro "balanço global" (global stocktake) do Acordo de Paris, um processo desenhado para elevar a ambição das NDCs. Nas COPs seguintes, o engajamento diplomático foi recuperado em parte.
— É muito pior ver isso acontecendo de novo agora — afirma Stela Hercshmann, analista geopolítica da coalizão de ONGs Observatório do Clima — A gente não pode repetir isso cinco anos depois e pedir agora a mesma coisa. O que a gente precisa é de um processo em que os países estejam dispostos a ter conversas difíceis. Por que não estamos estamos implementando as decisões do Global Stocktake?
Outro problema apontado pelos especialistas no relatório é que o tom crítico da UNFCCC ficou muito diluído num linguajar técnico, apresentado em meio a aspectos do cenário que a convenção preferiu ver sob um ângulo positivo.O relatório-síntese aponta, por exemplo, que uma parcela maior de países (73%) está incluindo objetivos de adaptação à mudança climática em suas NDCs. Isso é importante, porque, a crise do clima não se resolverá apenas com mitigação, mas a adaptação está ancorada primordialmente em ações domésticas, e não são o ponto de maior conflito no debate climático.
Outro ponto positivo é que três quartos das NDCs entregues falam em colocar as economias dos países numa "transição para longe dos combustíveis fósseis", a ação de mitigação mais importante do planeta.
Conta na mesa
Um fenômeno que a UNFCCC apontou no relatório é que um número maior de países está colocando o preço do combate à crise do clima, estimando sua demandas de investimento anual para combater o problema. Mesmo com poucas NDCs atualizadas, a soma desses números já supera US$ 1,9 trilhão anual, incluindo na conta tanto nações ricas quanto pobres.
A principal questão pendente de financiamento no Acordo de Paris, a demanda para que se mobilize US$ 1,3 trilhão apenas para as nações em desenvolvimento, está sendo debatida numa trilha separada de negociação, com os presidentes das conferências de Belém e de Baku tendo se comprometido a apresentar um "mapa do caminho" para esse objetivo.
Na semana que vem, cinco dias antes do início da COP 30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe líderes de Estado para uma cúpula em Belém, e existe alguma expectativa de avanço, particularmente entre países do G20. Se Europa e China apresentarem suas NDCs ali, diplomatas não precisarão negociar tão às cegas na conferência.
Da Europa, que por muito tempo liderou ação climática global, espera-se algum ânimo em retomar protagonismo.
Da China, espera-se clareza. No anúncio informal que fez de sua NDC, o país asiático prometeu derrubar suas emissões de 7% a 10% até 2035 "em relação ao pico", que deve ser atingido até lá, mas ninguém sabe quando nem quanto será.
