Relator tem dificuldade de chegar a acordo com bolsonaristas e PL da Dosimetria trava na Câmara
O projeto de lei da Dosimetria, que pode reduzir penas para envolvidos em atos golpistas e beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, ainda encontra dificuldades para avançar na Câmara mesmo depois de Bolsonaro ter sido preso em regime fechado. A bancada do PL reforçou a pressão para que uma anistia ampla seja pautada e tem se recusado a apoiar uma versão reduzida da iniciativa, com redução de penas.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, é um dos que têm encabeçado a pressão pela anistia. Junto com o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), ele conversou com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mas ainda não há previsão do assunto ser pautado.
A estratégia dos bolsonaristas é pautar o relatório que trata da redução de penas, que ainda vai ser apresentado pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), e, durante a votação em plenário apresentar um destaque de preferência, que retomaria o projeto original, que é de autoria do deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) e dá anistia ampla.
A avaliação é que, uma vez colocada em pauta, os deputados do Centrão ficariam constrangidos a apoiar a anistia para ter o apoio do bolsonarismo em 2026. Como sinal disso é citado o exemplo da urgência, que demorou para ser pautada, mas quando foi colocada em votação, teve 311 votos favoráveis e apenas 163 contrários. O instrumento acelera o texto ao pular a fase das comissões.
Dilema similar aconteceu na votação do projeto de lei Antifacção, quando Motta e outros deputados do Centrão resistiam incluir um trecho que classificava as facções como terroristas. Para evitar que o tema fosse a voto por uma votação em destaque, Motta usou o regimento para barrar uma solicitação do PL que poderia incluir a medida do texto.
O argumento usado é que a iniciativa seria algo estranho ao texto original. Algo que não poderia ser repetido no PL da Dosimetria pelo fato de o projeto original de Crivella atender justamente à demanda dos bolsonaristas.
– Não é matéria estranha, ao contrário. A urgência aprovada, a do projeto do deputado Marcelo Crivella, é a anistia – disse o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante.
Além disso, o líder partidário acumulou desgastes com Motta justamente por conta da pressão feita para incluir a classificação de terrorismo no PL Antifacção. Sóstenes minimizou a rusga.
– É igual casamento, tem dia ruim. Eu sou muito amigo (do Hugo Motta) e nada vai atrapalhar nossa amizade.
Enquanto não há um acordo com a bancada do PL para evitar uma anistia ampla, Paulinho tem decidido segurar a apresentação do relatório e consequentemente a votação.
O relator disse ontem que as negociações para votar o texto avançaram, mas falta um acordo com o partido do ex-presidente.
— As conversas com o PL não foram lá essas coisas. Encaminhou, mas não resolveu. Vamos ver se a gente consegue resolver para votar. Estamos trabalhando — disse ao GLOBO.
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou nesta terça-feira que o ex-presidente fique preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília para cumprir a pena de 27 anos e três meses determinada pala Corte pela tentativa de golpe de Estado após a derrota eleitoral em 2022. Ele já estava preso no local desde sábado, mas por uma medida cautelar após ele ter danificado a tornozeleira eletrônica que usava.
No fim de semana, após Bolsonaro ter sido detido após prisão preventiva, Paulinho havia dito que o processo acelerava a necessidade de votar o projeto.
Partidos do Centrão tentam avançar com a iniciativa como uma forma de dar uma resposta à insistência de Bolsonaro em se apresentar como candidato a presidente em 2026, mesmo inelegível e preso.
A ideia é mostrar que não há apoio institucional para colocar o ex-presidente de volta nas urnas, mas, ao mesmo tempo, fazer um gesto a ele e reduzir parte de sua pena na trama golpista.
A bancada do PL ainda insiste em uma anistia ampla, que tire Bolsonaro da prisão e recupere sua elegibilidade, embora essa possibilidade esteja cada vez mais distante. Por outro lado, o governo é contra qualquer redução de penas.
Diante disso, mesmo dirigentes do Centrão a favor da iniciativa admitem que o cenário para a aprovação não é fácil e o ano pode acabar sem o texto ter sido votado.
Ainda assim, os partidos envolvidos nas negociações, principalmente União Brasil e PP, querem aprovar o texto de Paulinho antes de acabar o ano. O tempo é curto já que a Câmara tem menos de dois meses até acabar o ano e a Casa tem de se debruçar sobre o Orçamento.
No Senado, parlamentares, mesmo governistas, mantêm o discurso de que aceitariam discutir uma proposta de redução de penas, o que anima o grupo que atua para que o projeto avance.
O relator na Câmara já se reuniu com quase todas as bancadas partidárias da Casa. Ele ouviu deputados do PL, PT, União Brasil, PP, Republicanos, MDB, PSD, PSDB, Podemos, Solidariedade, Avante, PRD e Novo. Com exceção do PT, que é contra reduzir penas e PL e Novo, que defendem uma anistia ampla, todas as bancadas se mostraram abertas a apoiar o relatório, mas aguardam a oficialização.
O entendimento é que o projeto de redução de penas tem ampla aceitação dos partidos de centro na Câmara e de uma parte da oposição, mesmo que o discurso do bolsonarismo seja por uma anistia ampla.
Uma das versões do texto, que ainda não é definitiva porque o relatório não foi protocolado, reduz as penas e unifica os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito, além de reduzir os crimes de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado. Com isso, a pena de Bolsonaro no caso da trama golpista teria uma redução que poderia ser de 7 a 11 anos.
O relator também já disse que a sua versão da proposta vai ser o suficiente para tirar todos que hoje estão presos por estarem nos atos do 8 de janeiro de 2023. Apesar de ainda poder sofrer ajustes, o relator tem dito que o tem travado a negociação para aprovar o projeto não diz respeito ao conteúdo do texto, mas sim ao clima político.
A ideia é fazer um parecer curto e objetivo, que centre na redução de penas. O relator só deve divulgar o texto, porém, após ter a garantia de que o projeto está pronto para ser aprovado.
