Referendo das armas completa 20 anos: de Bolsonaro a Lula, pedidos de registro caíram para menos da metade

 

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Levantamento feito pela CBN mostra que, nos dois primeiros anos do governo Lula, 279 mil pedidos de armas de fogo foram feitos no Brasil, segundo dados da Polícia Federal. No governo Bolsonaro, o total chegou a 1,2 milhão de solicitações ao longo dos quatro anos de mandato "O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?"

Foi essa a pergunta que os eleitores brasileiros responderam em 23 de outubro de 2005.

63% dos brasileiros votaram contra a proibição, decisão que manteve o comércio liberado sob as regras do Estatuto do Desarmamento, sancionado dois anos antes.

O estatuto definiu critérios mais rígidos para a compra e o porte de armas, como ter mais de 25 anos, comprovar necessidade e não responder a processos criminais.

Vinte anos depois, um levantamento feito pela CBN mostra que, nos dois primeiros anos do governo Lula, 279 mil pedidos de armas de fogo foram feitos no Brasil, segundo dados da Polícia Federal.

No governo anterior, de Jair Bolsonaro, o total chegou a 1,2 milhão de solicitações ao longo dos quatro anos de mandato — mais de quatro vezes o volume atual.

Arma

Reprodução/PxHere

Mesmo que o ritmo médio de registros se mantenha até o fim do atual governo, o número teria que mais do que dobrar para alcançar o patamar da gestão anterior, o que os dados parciais não indicam até agora.

Desde o ano passado, o controle das armas de CACs — colecionadores, atiradores e caçadores — passou do Exército para a Polícia Federal, que agora é responsável pelo registro e pela fiscalização.

O conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Daniel Cerqueira, avalia que o aumento na circulação de armas e munições tende a resultar em mais crimes e tragédias:

“A arma de fogo, ao contrário de ser um elemento que vai defender o cidadão de bem, conspira a favor do risco de alguém naquela família morrer. As armas de fogo nas ruas muitas vezes terminam sendo usadas entre pessoas que não são criminosos. Oque a gente sabe da ciência é que, mais armas, mais mortes e mais crimes. E o Brasil caminhou no governo Bolsonaro exatamente na contramão da ciência, na contramão das evidências científicas do que é melhor para a sociedade.”

Esquemas já desvendados pela Polícia Federal mostram que parte das armas e munições utilizadas por organizações criminosas tem origem em CACs.

Segundo as investigações, esses grupos fornecem armamentos adquiridos tanto de maneira legal, com uso de suas autorizações, quanto de forma ilegal, sem permissão.

Para o mestre e doutor em Direito Penal e Ciências Policiais, Rodrigo Vilardi, o problema não está no requerimento de CAC em si, mas na falta de regulação e fiscalização rigorosa que impeçam o desvio de armas para o crime organizado:

“Quanto houve de aumento de armas que estavam em poder de CACs indo parar na mão de criminosos? Esse é o dado que não se tem com clareza e é isso que a gente precisa trabalhar para aperfeiçoar os mecanismos de registro - especialmente dessas apreensões de arma de fogo, para que a gente consiga identificar a origem. O grande problema não é a arma de fogo, é a arma de fogo na mão do criminoso.”

O Instituto Sou da Paz, criado em 1997 como uma campanha estudantil pelo desarmamento, atua até hoje na conscientização sobre os riscos da circulação de armas de fogo e na defesa de políticas públicas de prevenção à violência.

A diretora-executiva da entidade, Carolina Ricardo, avalia de forma positiva as mudanças recentes no controle de armas, mas ressalta que ainda há muito a ser feito.

Para ela, o debate sobre segurança pública no Congresso é frágil e excessivamente politizado, o que atrasa a formulação de políticas eficazes:

“São discursos rasos. É projeto de lei atrás de projeto de lei, a gente não consegue nem acompanhar. Cada dia tem um projeto de lei novo, uma audiência pública sobre o tema. Muito mais pra satisfazer a base do que pra fazer uma mudança estrutural. Então é muito pobre o debate sobre segurança no Legislativo e muito triste que a gente tenha chegado nessa situação. Apesar de tudo isso, há um risco pro Estatuto do Desarmamento. E a gente como sociedade precisa defendê-lo. Porque é uma lei muito boa, que organizou o controle de armas, estabelece a marcação de munição. É uma lei que ajuda as polícias a tirarem a arma da mão do criminoso.”

Segundo a Polícia Federal, o Brasil tem hoje 1,5 milhão de armas registradas para CACs.

Metade delas é de uso restrito, e o calibre mais comum é o 9 milímetros, que voltou a ter venda controlada para civis.

Os estados com mais registros são São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais.

Porte de arma.

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