Recursos para adaptar países em desenvolvimento à crise do clima precisam se multiplicar por 12, diz ONU

 

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O relatório deste ano do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) sobre adaptação climática aponta que os recursos sendo repassados para países em desenvolvimento se protegerem da crise do clima estão em torno de US$ 26 bilhões anuais. Para atendender às necessidades, o fluxo precisaria crescer pelo menos até US$ 310 bilhões por ano, o que significa multiplicar por 12 o valor atual.

Essa estimativa consta do Adaptation Gap Report (Relatório da Lacuna de Adaptação), que o órgão internacional produz periodicamente para ajudar a subsidiar a Convenção do Clima da ONU, a instância da organização que efetivamente toma as decisões diplomáticas sobre o assunto.

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A cifra citada no documento é maior do que todo o valor de financiamento climático previsto de transferência entre países. A nova meta de financiamento coletivo acerta por enquanto está em US$ 300 bilhões, mas nesse valor precisam caber também os gastos com mitigação (medidas contra gases do efeito estufa), que são ainda mais volumosos.

Entre as diferentes áreas que precisam do aporte de investimento, adapatação se traduz em diferentes medidas práticas. Numa cidade chuvosa, ele pode significar verbas para elevar o nível de uma estrada. Numa área rural, pode ser um projeto de transposição para irrigação. Em zonas costeiras, o dinheiro pode ir para um projeto de recuperação de mangues para conter ressacas. Por causa dessa diversidade, fazer a conta global é um exercício coletivo extremamente complexo.

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Em sua estimativa publicada hoje, o Pnuma mostra quais setores vão precisar de mais recursos, sendo o de infraestrutura aquele com maior demanda (US$ 86 bilhões/ano), seguido de contenção de cheias fluviais (US$ 73 bilhões/ano). O terceiro, a agricultura nos países em desenvolvimento, vai precisar de US$ 54 bilhões anuais para se adequar ao novo clima.

O preço de o planeta não investir mais em adaptação, porém, é condenar os países mais vulneráveis pagarem uma conta ainda maior, porque quando o impacto climático chega na forma de destruição (e morte), a economia sofre ainda mais.

— O que estamos dizendo no relatório é que a quantia é claramente insuficiente para cobrir a lacuna de financiamento em adaptação — afirma Henry Neufeldt, cientista que coordenou o trabalho. — E não nos esqueçamos que o financiamento por si só não leva à ação de adaptação. Há também necessidade de fortalecer a transferência de capacitação e tecnologia, de modo que países estejam preparados par planejar e implementar as ações de acordo com suas necessidades.


A adaptação é um dos poucos temas travados com chance real de avanços na COP 30, a conferência do clima de Belém, porque está na agenda diplomática oficial. A maior parte dos países possui planos nacionais de adaptação, que foram a base de cálculo para o relatório, apesar de o Pnuma alertar que muitos desses projetos estão desatualizados.

Os documentos que, dentro da UNFCCC, consolidam as promessas de cada país no combate à crise do clima, porém, não foram de muita ajuda. Só um terço dos membros da convenção entregou documento atualizado para a COP 30, e muitos deles versam apenas sobre mitigação.

A versão deste ano do Adaptation Gap Report possui uma estimativa mais precisa da lacuna de financiamento em relação ao documento do ano passado, que estimava o valor entre entre US$ 187 bilhões e US$ 359 bilhões. Agora o valor está projetado como algo entre US$ 284 bilhões e US$ 339 bilhões. (O cálculo é baseado em estudos de modelagem e em declarações dos países sobre demanda de financiamento.)

Da Baku a Belém

O aprimoramento das contas permite enxergar melhor também onde estão concentradas as maiores necessidades, e chega numa hora propícia, porque há um esforço diplomático lateral, apoiado por um grupo ainda restrito de países, para resolver o problema das metas coletivas de financiamento.

A presidência da COP 30, junto com a presidência da COP 29 no Azerbaijão, se comprometeu a desenhar um cronograma para aumentar a ambição no financiamento e elevá-lo até US$ 1,3 trilhão anuais. Essa iniciativa, batizada de "Baku to Belém Roadmap", é vista como uma chance de destravar muitos impasses no debate global.

— Eu tenho expectativa que a COP 30 faça uma decisão de nível mais político, referendando documentos que estão fora da negociação, incluindo o Roadmap Baku-Belém, que é essencial para subir a escala do investimento — diz a diretora de clima e finanças do do World Resources Institute (WRI) no Brasil, Karen Silverwood-Cope. — Por outro lado, nada vai consertar a falta de NDCs e de ambição.

Uma outra notícia não muito boa trazida pelo Pnuma neste ano é que o setor privado, visto por alguns como potencial solução para o déficit em investimento, tem avançado pouco. Dos US$ 26 bilhões anuais que têm sido investidos, apenas US$ 5 bilhões vêm de empresas. E dos US$ 310 bilhões necessários, o espaço para financiamento privado é estimado em US$ 50 bilhões.

Segundo Neufeldt, um desafio a parte é que os instrumentos de financiamento precisam ser desenhados de modo a acomodar os países mais pobres.

— Prover empréstimos que não sejam altamente concessionais, ou recorrer a outros instrumentos que aprofundem o endividamento dos países pode deixá-los em dificuldade ainda maior para realizar ações de adaptação — diz o cientista.

Como os países mais ricos são os maiores responsáveis pela crise climática, tendo sido por décadas os maiores emissores de CO2 via queima de combustíveis fósseis, aquilo que for decidido na ONU precisa refletir esse desequilíbrio, dizem as autoridades.

"Os impactos climáticos estão se acelerando. No entanto, o financiamento para adaptação não está acompanhando o ritmo, deixando as pessoas mais vulneráveis do mundo expostas ao aumento do nível do mar, tempestades mortais e calor escaldante", afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, em mensagem sobre o relatório, no mesmo dia em que um furacão atingiu a Jamaica. "A adaptação não é um custo – é uma tábua de salvação. Fechar a lacuna de adaptação é a forma como protegemos vidas, promovemos a justiça climática e construímos um mundo mais seguro e sustentável."

Na semana que vem o Pnuma deve publicar um segundo relatório, o Emissions Gap Report, que fala sobre mitigação, e fecha o pacote de documentos que o órgão prepara como o tabuleiro do jogo na COP 30.