Proposta de US$ 1,3 trilhão para clima sugere turbinar doações, baratear crédito e atenuar dívidas

 

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A presidência da COP 30, a conferência do clima de Belém, divulgou hoje um relatório que detalha sua proposta para elevar até US$ 1,3 trilhão o financiamento de países ricos aos pobres na luta contra a crise do clima. O documento é o primeiro esboço sobre como chegar a esse número por medidas diversar, entre elas elevar o volume de doações, baratear o crédito e renegociar ou perdoar dívidas.

Feito junto com a presidência da COP 29, realizada em 2024 no Azerbaijão, o documento de 80 páginas batizado de "Baku to Belem Roadmap to 1.3T" (Mapa do Caminho de Baku a Belém para 1,3T), decompõe em vários tópicos uma possível trilha para chegar a esse número até 2035.

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A proposta, revelada na véspera da Cúpula de Líderes que antecede a COP 30 na capital paraense, lista cinco possíveis frentes de atuação necessárias para ampliar fontes de financiamento, sejam elas públicas ou privadas. Numa segunda parte, mostra quais finalidades devem receber os recursos mobilizados, seja na frente da mitigação (corte de emissões de CO2) ou da adaptação (adequação da sociedades aos impactos do clima).

O Roadmap não é, por enquanto, um documento sendo tratado na agenda oficial das COPs. Como não foi submetido ainda à apreciação geral, também é um tanto vago quando fala sobre como colocar em prática as ações propostas.

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A proposta foi encomendada porque na COP 29 (que tinha esse assunto na pauta), as metas quantificadas para financiamento global ficaram aquém da expectativa e muito aquém das necessidades dos países em desenvolvimento.

Um montante de US$ 300 bilhões anuais acordado em Baku foi considerado insuficiente para as necessidades apontadas pelas nações mais pobres, que já sofrem com impactos do aquecimento. Brasil e Azerbaijão se comprometeram a se sentar juntos, então, para desenhar uma proposta de solução. Montaram uma equipe técnica que coletou sugestões de outros membros do Acordo de Paris para o clima ao longo do ano e construiu uma proposta.

Apesar da abstração com que o tema é tratado, o Roadmap já inclui alguns números sobre de onde pode sair o dinheiro, que hoje flui num volume menor até do que o acordado em Baku. O valor atual está entre US$ 115 bilhões e US$ 200 bilhões, dependendo do critério e da fonte adotada.

Dados do painel do clima da ONU (IPCC) e da Agência Internacional de Energia (IEA) embasam a proposta de como o US$ 1,3 trilhão a ser levantado deve ser distribuído, dividindo-o por setores e por regiões do mundo.

O prefácio do relatório, assinado por André Corrêa do Lago, presidente da COP 30, e Mukhtar Babayev, presidente da COP 29, resume o espírito do documento.

"Sabemos que esta jornada começa em tempos turbulentos, com recursos financeiros escassos e difíceis escolhas orçamentárias. Mas existem soluções tecnológicas e financeiras", escrevem.

Em entrevista coletiva nesta quarta-feira, Babayev reconheceu o tamanho do desafio proposto.

— Estamos tentando intervir no funcionamento normal da economia mundial. Estamos tentando direcionar as forças das finanças globais — disse. — Esta é uma tarefa imensa. O sucesso exigirá grande vontade política. Exigirá foco constante e ação incansável de todos nós.

Dividindo a tarefa

Para adequar o sistema financeiro global para o desafio, o documento propõe cinco frentes de atuação: reabastecer, reequilibrar, redirecionar, reformular, e restruturar. Cada um dos R tem um objetivo específico:

Reabastecer - Aumentar o volume de ajuda financeira disponível na forma de doações, capital e baixo custo e empréstimos com baixa exigência

Reequilibrar - Resolver o problema de endividamento que impede muitos países pobres de captarem crédito internacional

Redirecionar - Aumentar o fluxo de capital privado nas áreas onde o financiamento climático já dá retorno

Reformular - Preparar os países receptores dos recursos para aplicá-los de maneira eficiente no combate à crise do clima

Reestruturar - Ajustar os sistemas e estruturas de fluxo de capital para aplicar os recursos de modo equitativo, atacando desigualdades

Corrêa do Lagoa afirma que, com as contribuições externas feitas ao documento, ficou claro o tamanho do problema do endividamento para a meta, particularmente dos países menos desenvolvidos e das nações-ilha, que são mais vulneráveis.

— Essa é realmente uma grande preocupação. E acredito que o lado positivo é que já existem algumas iniciativas funcionando muito bem — disse. — Nossas recomendações estão ligadas ao fato de sabermos que isso já é possível e já está acontecendo. É uma questão de escala, como na maioria das coisas que mencionamos.

O Roadmap também distribui a aplicação dos recursos em cinco tópicos diferentes:

Adaptação e compensações por perdas e danos

Transição energética e acesso a energia limpa

Preservação e restauração da natureza

Promoção de uma agricultura mais resiliente e menos emissora

Combate à desigualdade climática e suporte a populações tradicionais

A diversidade no perfil de países em desenvolvimento implica que cada uma dessas necessidades varia de proporção, em diferentes locais do mundo.

Os dados da IEA mostram, por exemplo, que a Índia vai precisar, proporcionalmene, de muito mais ajuda para a transição de sua matriz elétrica, do que os países latino-americanos, onde o gargalo maior é em transporte e construção.

A América Latina também tem um potencial muito maior para captação de recursos privados, por exemplo, quando comparada com a África, onde o espaço para ação vai depender muito de recursos públicos.

Como implementar

Com o documento lançado, Babayev e Corrêa do Lago têm agora o desafio de atrair os países desenvolvidos para a agenda proposta. Nenhum dos dois foi claro em relação à perspectiva de incorporar o documento à trilha oficial da COP 30, apesar de ambos se mostrarem otimistas com a possibilidade de crescer a iniciativa em paralelo.

— Acredito que este relatório pode desencadear uma série de coligações, uma série de uniões de países em uma direção ou outra — diz Corrêa do Lago. — Obviamente, em um mundo ideal, gostaríamos que tudo fosse aprovado por todos, mas uma ideia muito fortes no relatório é também a necessidade de incorporar urgência à implementação.

ONGs e especialistas receberam bem o conteúdo do Roadmap, mas ainda estão cautelosas com relação a qual será seu futuro.

— O grande desafio será verificar se ele será efetivamente endossado pelos países na COP 30 e como será construído um mecanismo robusto de monitoramento e implementação — diz. Karen Silverwood-Cope, diretora de clima do World Resources Institute (WRI) no Brasil — O plano estabelece ações e responsabilidades não apenas para os países, mas também para instituições financeiras internacionais, o G20, os Brics e todo o sistema multilateral, reconhecendo que a transformação exigida é sistêmica.