Projeto esportivo de estado do Paraguai vai muito além do Pan-Americano de 2031
A vitória de Assunção na disputa pelo Jogos Pan-Americanos de 2031 contra a dupla Rio-Niterói foi recebida com espanto pelo público no Brasil. Afinal, como a capital paraguaia, sem experiência na realização de eventos desse porte, poderia levar a melhor diante da cidade que recebeu os Jogos Olímpicos de 2016 e que foi uma das sedes da Copa de 2014? Do lado de lá, contudo, a surpresa foi outra:
— O placar de 28 a 24 foi muito apertado. Achei que seria uma diferença maior, porque já estava com uma candidatura pronta há mais tempo — afirma Camilo López, presidente do Comitê Olímpico Paraguaio (COP).
O dirigente revela que a candidatura Rio-Niterói poderia ter evitado a derrota. Ele chegou a propor um acordo: Assunção realizaria o Pan-31, enquanto os concorrentes ficariam com a edição seguinte. Mas não houve trato.
Assunção já havia tentado receber o Pan de 2027 após a edição ter sido retirada de Barranquilla (a cidade colombiana não pagou parcelas previstas no contrato com a Panam Sports, entidade detentora dos Jogos). Mas acabou derrotada por Lima. Só que não parou de trabalhar pelo sonho.
— Tudo o que aprendi naquela derrota eu usei aqui — admite Pérez. — Aprendi que o trato presidente a presidente (de comitê nacional) vale muito.
Nos bastidores, ele angariou o apoio da maioria dos comitês nacionais. Segundo ele, seu grande trunfo foi fazê-los comprar a ideia de que era hora de um país pequeno — como a maioria deles — receber um evento do porte do Pan para mudar de patamar no mundo esportivo.
Parte dessa estratégia foi a organização de acampamentos esportivos no primeiro semestre, que receberam mais de 1000 jovens atletas e profissionais de comissões técnicas. O evento, promovido antes do Pan Junior de agosto, recebeu seleções de diversos países e permitiu ao Paraguai se aproximar ainda mais destes comitês.
Mas não se pode resumir a vitória da capital paraguaia à política. O Pan de 2031 é mais um passo de um projeto em curso há 14 anos, que largou praticamente do zero.
Membro de uma família influente do país, Camilo López, de 56 anos, é ligado aos esportes desde a adolescência. Dono de empresas dos setores imobiliário e de telecomunicações, ele assumiu o COP em 2011, quando a entidade se encontrava afundada em dívidas. O país de 6 milhões de habitantes (população semelhante à da cidade do Rio) estava fora do mapa dos eventos esportivos, conquistara somente dois bronzes no Pan daquele ano (em Guadalajara, no México) e, na Olimpíada de Pequim-2008), fora representado por sete atletas, sendo só dois por índice técnico (os outros cinco por convite).
Hoje presidente da Odesul (Organização Desportiva Sul-americana), vice da Panam Sports e membro do Comitê Olímpico Internacional, López usou sua vocação política para obter apoios e verbas para o comitê. Conseguiu aportes do COI, da Panam e de empresários parauaios. Seu maior êxito foi a aproximação com o governo, convertida em dinheiro para os atletas e investimento direto no parque olímpico, em Luque (cidade vizinha a Assunção, onde também fica a sede da Conmebol). Hoje, o espaço de 113 hectares já recebeu mais de US$ 200 milhões, parte dos quais investida para a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento, realizada lá em 2017.
De terreno quase abandonado, o parque olímpico passou a abrigar os esportistas de elite paraguaios em ginásios, academias, arenas multiúso e de praia, velódromo e pistas de skate, de BMX e de patinação. Ele será uma das principais sedes do Pan ao lado da Secretaria Nacional de Esportes (SND, na sigla em espanhol), complexo mais antigo que atende principalmente aos atletas em formação.
O GLOBO visitou as instalações a convite do COP, e não viu os chamados elefantes brancos. A maior delas, a SND Arena, tem capacidade para 5,5 mil espectadores, e todos estão em pleno uso.
Num momento em que os eventos esportivos se tornam cada vez maiores, Assunção aposta em jogos compactos e sem megalomania. De acordo com o COP, 75% das instalações serão no parque olímpico e no SND, a 30 minutos de distância um do outro. Quase todas já estão de pé. Elas passarão por reformas de ampliação ou de adaptação para atender a exigências de grandes competições. Apenas dois equipamentos novos serão construídos: um estádio de atletismo e uma arena para 10 mil pessoas, além da vila pan-americana, que será custeada pelo setor imobiliário.
A grande maioria dos US$ 389 milhões, custo total do projeto, serão bancados pelo governo, como tem sido desde que o esporte passou a ser tratado como política de desenvolvimento do estado. Camilo López se orgulha de dizer que o presidente atual, Santiago Peña, é o quinto consecutivo a manter este apoio.
— Eles aprenderam a nos respeitar porque nos tornamos poderosos. E como? Não economicamente, mas pelo respeito da sociedade. Nossa voz hoje é muito forte. Então ninguém quer ter problema com o esporte — gaba-se o dirigente.
Um exemplo desta força foi dado em 2022. A meses da realização dos Jogos Sul-americanos, um corte de US$ 70 milhões no orçamento destinado ao evento pôs sua realização em risco. López foi à imprensa e fez lobby com os senadores, e atletas protestaram com uma corrida em frente ao congresso. A pressão surtiu efeito, e a verba foi liberada.
Num movimento parecido com o que ocorreu no Rio a partir do Pan-2007, os grandes eventos viraram catalisadores de obras de desenvolvimento do país. O governo criou, inclusive, um comitê responsável pela organização de todos eles.
Os Jogos Sul-americanos de 2022 abriram o calendário; depois, veio o Pan Junior 2025; nos próximos dois anos, Assunção receberá o Campeonato Mundial de Rali, assim como o World Skate Games em 2026 e o Mundial Juvenil de levantamento de peso em 2027. Já em 2028 será a vez dos Mundiais juvenil e adulto de ciclismo de pista.
Além do Pan-31, a cidade é uma das candidatas aos Jogos Olímpicos da Juventude de 2030, ano em que receberá uma das partidas inaugurais da Copa do Mundo. Por fim, comenta-se que o presidente da Conmebol Alejandro Dominguez, que é paraguaio, prometeu levar para lá a final da Libertadores de 2027, como já aconteceu ontem com a Copa Sul-Americana.
Com tantos eventos, a cidade vive a expectativa do crescimento. Entre as principais obras, são esperados um trem especial, que terá uma estação em frente ao parque olímpico, a ampliação do aeroporto internacional e o aumento da malha rodoviária.
O COP também trabalha para colher um impacto esportivo. A entidade faz um trabalho de desenvolvimento e capacitação de atletas e treinadores através do qual espera saltar de sete medalhas no Pan-23, em Santiago, para 30 na edição que irá promover.
— Sei que é muito desafiador, mas preciso que os US$ 389 milhões sejam pagos com medalhas — admite López. — Caso contrário, vou fracassar como presidente.
