Presidência brasileira da COP30 traça estratégia para superar impasses; Entenda

 

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Numa estratégia que observadores consideram inteligente por parte da diplomacia brasileira, a presidência da COP30 parece caminhar na direção de adotar o que, no jargão diplomático é chamado de "decisão de capa" para superar o impasse em relação a quatro itens que ficaram fora da agenda oficial.

A conferência deu início nesta segunda-feira à sua segunda semana de debates com os represantes de países já no segmento de alto nível, com presença de vários ministros. Os negociadores já têm na mão um texto distribuído ontem à noite contendo uma lista de tópicos que são o esqueleto de um possível texto decisório da conferência.

O eventual nome do texto está em debate. A sugestão do Brasil é que ele se chame "Decisão Mutirão".

O documento foi construído pela equipe do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, após uma série de consultas com representantes de outros países sobre os pontos de dissenso na agenda do encontro. Originalmente, eram quatro itens em desacordo, que estão provisoriamente fora de pauta.

Segundo analistas que acompanharam as conversas de plenária na sexta-feira, a ideia do Brasil é "fazer do limão uma limonada", aproveitando as consultas sobre os pontos controversos para já começar a montar um texto baseado nas observações mais consensuais.

O texto de cinco páginas se inicia com um preâmbulo de tom otimista

"A Presidência identificou um alto grau de convergência e alinhamento, tanto nas contribuições escritas quanto nas orais", escreveu Corrêa do Lago. "A Presidência considera que este resumo pode servir como uma prévia preliminar de onde um pacote geral de resultados das consultas poderá surgir das Partes."

O documento é dividido em seções que buscam agregar diferentes tópicos: uma conclusão sobre os 10 anos do Acordo de Paris, uma decisão sobre a "direção" da COP30, a transferência da fase de negociação para a de implementação do acordo e uma resposta à urgência de acelerar a agenda do combate à crise do clima.

No final do texto, três dos quatro itens originais em desacordo aparecem dentro de leques de "opções", sinal de que não houve progresso na negociação. As oções são sub-tópicos de medidas que podem, ou não, ser adotadas. Entre esses sub-tópicos está a implementação do artigo 9.1 de Paris, que fala da necessidade de países ricos apoiarem financeiramente os pobres.

Outro trata das medidas unilaterais de comércio, com nações pobres reclamando de impostos onerando produtos com alta pegada de carbono, e um terceiro fala em antecipar a revisão das contribuições nacionalmente determinadas (NDCs), as promessas oficiais de corte de emissões de gases-estufa.

Um ponto de discórdia que parece ter sido sanado é o relacionado aos relatórios bianuais de transparência (BTRs), uma ferramenta que o Acordo de Paris prevê para monitorar o avanço dos países no cumprimento do acordo.

A presidência da COP identificou um alto grau de convergência e alinhamento, tanto nas contribuições escritas quanto nas orais. A presidência considera que este resumo pode servir como uma prévia preliminar de onde um pacote geral de resultados das consultas poderá surgir das partes.

Decisão de capa

A tentativa de tentar transformar uma enorme lista de tópicos em um texto coerente surpreendeu especialistas que acompanham o processo em Belém.

— A presidência da COP30 disse que não ia apresentar nenhuma surpresa, mas o que eles estão fazendo agora é muito interessante. Eles estão tentando criar, por consenso, uma decisão de capa da conferência — afirma Claudio Angelo, analista de política internacional da coalizão de ONGs Observatório do Clima. — Pense em um livro com vários capítulos, que seriam os itens tratados nas consultas para serem incorporados nessa declaração final. A decisão de capa é como a capa desse livro.

Angelo lembra que a diplomacia brasileira tradicionalmente tem opinião crítica sobre decisões de capa. Isso ficou claro na COP26, em Glasgow, quando a presidência britânica da conferênccia conseguiu aprovar um texto nesse formato sobre o Livro de Regras do Acordo de Paris.

Nas últimas semanas, o presidente da COP30 afirmou em várias oportunidades que não proporia uma decisão de capa. No último sábado, porém, Corrêa do Lago admitiu que estaria disposto a avaliar um pedido de alguma das partes nesse sentido. Segundo apurou O GLOBO, um dos que defendem esse caminho é a União Europeia.

A transição dos tópicos listados por Corrêa do Lago, porém, pode sofrer muitas transformações ainda ao longo dessa segunda semana de COP30. A conferência deste ano é, nesse sentido, mais dinâmica do que de costume, porque não possui um tema central a ser resolvido.

— O que se desenha no texto não é uma decisão de capa como têm sido tradicionalmente, porque ela poderia trazer assuntos variados, coisas que nem foram tratadas ainda — diz Natalie Unterstell, presidente do think-tank Instituto Talanoa.

As decisões de capa são documentos políticos escritos pela presidência da COP para “amarrar” o resultado final de uma conferência do clima.

Elas funcionam como um texto guarda-chuva: não pertencem a nenhum item específico da agenda, mas sintetizam a mensagem política da COP e podem destacar temas que não foram totalmente resolvidos nas negociações formais.

— No final do documento já aparecem os trade-offs (barganhas). Eles parecem como as opções de um caminho adiante. Ali eles já usam até mesmo uma linguagem de decisão e, enfim, começa a aparecer realmente esse desenho. Os traços estão ali colocados — diz Unterstell.

Emissões e financiamento

A revisão antecipada de NDCs e a revisão da meta de financiamento, os temas centrais da negociação climática global, são insuficientes para combater a crise do clima, e não estão nem sequer na agenda oficial de negociações da COP30, o que frustra muitos ambientalistas.

As NDCs não são suficientes ainda para conter o aquecimento global a 1,5°C, e a meta de financiamento anual de US$ 300 bilhões ainda está longe do US$ 1,3 trilhão pleiteados numa trilha paralela de negociação. Alguns itens do novo texto tentam maneiras alternativas de sanar esse problema.

Em um tópico ainda não consensual, a presidência da COP30 fala em "trabalhar de forma inclusiva com as partes, atores subnacionais, sociedade civil e setor privado, para desenvolver um plano de resposta à meta 1,5º C que aborde as lacunas de ação e ambição pré-2030".

As NDCs tem a próxima revisão no calendário prevista para 2030. A disputa de negociação sobre o tópico é a de antecipar a revisão e tentar melhorar o cenário antes disso.

Na discussão sobre recursos financeiros, há uma proposta de um "plano de ação de três anos em Belém para a implementação do artigo 9.1 (de financiamento), triplicando o financiamento da adaptação e estabelecendo mecanismos justos de partilha de encargos".

Uma das dúvidas principais da negociação é onde entraria o chamado "mapa do caminho" para que os países comecem a fazer uma "transição para longe dos combustíveis". Essa proposta, que tem apoio maciço da comunidade científica, ganhou suporte de mais de 60 países, mas ainda não está na agenda oficial da COP30.