Preparação para lidar com mudanças no clima vai da saúde à educação
No campo ou nas cidades, a maior incidência de fenômenos como ondas de calor e desastres causados por chuvas reforça a necessidade de adaptação às mudanças do clima. Essa adequação é urgente, tem impacto direto no dia a dia da população e deve atuar em diversas frentes, seja por meio de projetos de segurança alimentar, de construção de escolas adequadas à nova realidade ou de aumento da capacidade de atendimentos nas unidades de saúde, entre outras.
A busca por soluções para enfrentar essa agenda guiou a discussão entre integrantes do governo federal, da sociedade civil e do setor privado no seminário “Resiliência climática: o desafio da adaptação às mudanças do clima”, promovido na semana passada pelos jornais O GLOBO e Valor e pela rádio CBN, às vésperas da COP30, que ocorrerá em Belém a partir do próximo dia 10.
Impacto no PIB
Os participantes do encontro, o último do projeto COP30 Amazônia antes da conferência climática, enfatizaram o quão estratégica é a discussão, que está contemplada em um dos seis eixos principais da conferência, e como ela envolve toda uma cadeia de setores e afeta diretamente os brasileiros: 84% dos municípios do país registraram desastres em uma década, e esses episódios impactaram cerca de 324 milhões de pessoas — o número supera o total da população porque há quem tenha sido afetado mais de uma vez. Em cenário de inação, a perda estimada é de R$ 17 trilhões do PIB brasileiro até 2050 e de mais de 4 milhões de empregos.
Os dados foram apresentados pela diretora do Departamento de Políticas de Adaptação e Resiliência da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Inamara Mélo. Uma das prioridades do governo federal é a implementação de um plano de adaptação para que as cidades consigam proteger a população. Mélo enfatizou como a agenda de adaptação é transversal por ter diferentes frentes de atuação.
— A gente precisa se preparar nas diversas áreas. Estamos falando de arborização urbana, de infraestrutura, mas também de medidas sociais. Na agenda de segurança alimentar, a mudança do clima pode impactar o preço e a produção de alimentos. O plano deve envolver ainda a agenda de moradia, saneamento básico, educação, saúde — listou. — Tudo contém medidas de adaptação, são políticas e serviços públicos para reduzir vulnerabilidades. A agenda é complexa porque estamos falando de quase tudo. Hoje, é difícil desenhar uma política pública sem incorporar a lente climática.
A extensão dessa agenda foi reforçada por Valéria Braga, representante do International Council for Local Environmental Initiatives (Iclei) no Rio, que destacou que as soluções para a adaptação passam pelo tripé governo, sociedade civil e setor privado.
— A governança climática existe em diversos níveis. Ela pode ser municipal, regional, nacional. Ela pode estar até dentro de uma empresa privada. O importante é que essa governança seja integrada, coordenada e sustentável. Além disso, ela precisa ser transparente e disponibilizar os dados. Ela requer a participação de todos — afirmou. — Adaptação é uma estratégia, não é só uma resposta. É uma estratégia que os municípios devem adotar com o apoio de outros entes. Adaptação é justiça social, é saúde pública, é sobrevivência. Isso é muito importante para todo mundo pensar e se engajar nessa mudança.
Investimentos e riscos
Diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Claudia Prates defendeu que os seguros — seja ele a nível nacional ou local, ou ainda por meio de consórcios — são fundamentais para ampliar a resiliência ao clima, uma vez que funcionam como proteção, reduzem o risco de endividamento governamental e, assim, fortalecem a economia. Além dessa proteção, Prates reforçou que o enfrentamento aos efeitos do clima passa ainda pela educação ambiental e para desastres e por investimentos em adaptação que ajudem a reduzir riscos. Um exemplo ocorre no âmbito das escolas — de acordo com dados do Inep, sete em cada dez salas de escolas públicas do país não são climatizadas.
— O Brasil já está sujeito à onda de calor e a gente não tem uma adaptação para isso — enfatizou. — Como é que você vai para a escola com uma onda de calor? Tem a educação na escola e tem também a adaptação para as escolas. Lá fora, quando neva muito, você já sabe que não vai para a escola e que tem tarefas a fazer.
Coordenadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde da Universidade de Brasília (UnB), Helen Gurgel lembrou que a realidade do Brasil é diversa. Ela ressaltou que as mudanças do clima já pressionam, por exemplo, os sistemas de saúde. As ondas de calor levam a desafios adicionais em municípios das regiões Norte e Nordeste que já enfrentavam vulnerabilidades e são mais atingidos:
— Cada município precisa conhecer sua realidade. Entender o que acontece, em que ponto é mais vulnerável. Esse é um trabalho que tem que ser feito a nível municipal. E, muitas das vezes, a população sabe. A gente tem que saber ouvir a população.
