Plano para reerguer Correios é visto com ceticismo por especialistas
O plano de reestruturação idealizado pela nova gestão dos Correios ainda inspira dúvidas entre especialistas sobre a sua eficácia para reerguer a empresa. O presidente da estatal, Emmanoel Rondon, está correndo contra o tempo para conseguir um empréstimo de ao menos R$ 10 bilhões com o objetivo de reequilibrar as contas, que estão no negativo, e dar sequência às medidas de corte de gastos e à procura de novas receitas.
Há ceticismo, porém, na capacidade da empresa de voltar a dar lucro, considerando a forte competição com o setor privado e o fardo pesado de gastos dos Correios, que tem mais de 800 empregados com benefÃcios bastante generosos, como 70% de adicional de férias. Nesse cenário, o empréstimo pode ser inócuo.
Um caminho mencionado pelos especialistas seria tentar vender a vertente mais rentável dos Correios e enxugar a estrutura restante, que ficaria dependente do Tesouro Nacional para manter a universalização do serviço postal, obrigação constitucional da União.
Dentro da empresa, porém, a ideia é criar um ecossistema de novas receitas para não depender de aportes do governo. A mudança do controle para o setor privado tampouco é considerada uma solução, uma vez que o entendimento é de que é necessário ter um agente de logÃstica estatal para entregar itens essenciais em todas as regiões do paÃs.
Os Correios registraram um prejuÃzo acumulado de R$ 4,3 bilhões no primeiro semestre de 2025. Só no segundo trimestre, entre abril e junho, o resultado negativo atingiu R$ 2,6 bilhões, quase cinco vezes superior ao do perÃodo equivalente do ano anterior, de R$ 553,1 milhões.
Nesse contexto, Rondon assumiu em setembro e anunciou a negociação de um empréstimo de R$ 20 bilhões com aval da União para fechar as contas da estatal, na primeira parte do plano de reestruturação. As conversas avançaram com os bancos BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Banco do Brasil, mas o custo cobrado foi considerado muito alto pela cúpula da empresa.
Agora, os Correios ampliaram o rol de instituições financeiras procuradas e reduziram a ambição financeira para tentar conseguir uma operação com taxa de até 120% do CDI, limite normalmente considerado em operações com garantia da União. A empresa precisa, porém, de ao menos R$ 10 bilhões para conseguir equacionar o problema no curto prazo e colocar de pé o restante do plano para tentar reerguer a estatal.
A economista Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting, avalia que o empréstimo pode ser um desperdÃcio se não houver mudança na lógica do modelo de negócio dos Correios, que não se sustenta mais em um ambiente digital, em que a comunicação não depende mais de cartas, e com a concorrência no setor de entregas.
— Fazer esse socorro para não mudar nada não faz sentido econômico. Estaria se colocando mais dinheiro para o motivo equivocado.
Zeina reconhece que a privatização total deve ter baixa atratividade. A parte mais rentável, contudo, seria possÃvel vender ou firmar uma parceria com o setor privado. O serviço deficitário de universalização postal ficaria em uma estrutura estatal menor, dependente do Tesouro Nacional.
— O setor privado vai ter interesse por uma parte. Os Correios virariam uma estatal dependente, com estrutura muito enxuta e papel restrito.
A economista e ex-diretora do BNDES Elena Landau também avalia que o empréstimo não vai ser suficiente para que a empresa se recupere, porque ela perdeu a capacidade operacional. Ela vê os altos juros pedidos pelos bancos como fruto da desconfiança do mercado em relação aos Correios.
Para ela, o plano de reestruturação não deve resolver a incapacidade da empresa de gerar receitas para se manter. Landau defende que uma solução seria enquadrar os Correios como estatal dependente, com aportes diretos do Tesouro, mas isso não está nos planos do governo.
— Para evitar essas ginásticas e deixar tudo mais claro, os Correios deveriam se tornar dependentes. Está evidente que não tem mais capacidade de gerar recursos para se manter. E como não querem nem pensar em privatizar, os Correios virariam uma espécie de Embrapa, porque se trata de um serviço postal que se considera essencial.
O economista Márcio Holland, professor da FGV e ex-secretário de PolÃtica Econômica da Fazenda, diz que o empréstimo de R$ 10 bilhões não será o suficiente para estabilizar a dÃvida da empresa. Segundo Holland, a estatal deve precisar de mais de R$ 20 bilhões, além de uma reestruturação de seus serviços e gastos.
Ele ainda manifesta preocupação com a garantia da União à operação de crédito. Interlocutores da equipe econômica dizem, porém, que o aval formal depende da apresentação de um plano de reestruturação consistente.
— Isso não está à vista. O que tem sido anunciado é uma redução um pouco das operações, e sombreamento de várias agências que poderiam ser integradas e PDV. Isso não resolverá o problema dos Correios. Daà esse aval da União me parece temerário. É arriscadÃssimo do ponto de vista fiscal e para o contribuinte — explica Holland.
Para Sérgio Lazzarini, vice-presidente acadêmico do Insper, e estudioso das relações entre o setor público e privado, socorros acabam sendo um processo de "enxugar gelo" quando a estatal não resolve seus problemas estruturais de gestão ou, em casos mais extremos, quando o seu próprio modelo de negócio se mostra inviável.
— Os Correios parecem ter problemas nesses dois campos, havendo necessidade de reforço nos processos de gestão e também um repensar da sua própria viabilidade como empresa.
Já Roberto Troster, economista e sócio da Troster & Associados, avalia que o plano tem chance de dar certo, se os Correios souberem se reinventar. Uma saÃda é usar sua capilaridade pelo paÃs para oferecer novos serviços que agreguem valor ao negócio.
— A rede nacional dos Correios é uma coisa muito boa. Pode atuar sendo um canal para ofertar outros serviços. Se for uma boa reinvenção, pode ter uma chance de dar certo. Já tem estrutura fÃsica, de comunicação, logÃstica, é saber ser criativo. Só cortando custos, o empréstimo só estará postergando a hora da verdade, porque o modelo de negócios atual é obsoleto.
