Os reis magos eram três ou doze? Especialistas analisam escrituras que divergem sobre quem visitou Jesus Cristo
Uma das cenas mais conhecidas do imaginário cristão — viajantes ajoelhados diante do menino Jesus, oferecendo ouro, incenso e mirra — pode não ser tão definida quanto sugere a tradição. Fontes cristãs antigas divergem sobre quantos eram os chamados magos do Oriente, se eram reis e até mesmo sobre sua origem. A única referência canônica está no Evangelho de Mateus, que menciona visitantes “vindos do Oriente”, guiados por uma estrela, mas não informa quantos eram, de onde vinham, se eram reis ou como viajaram.
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Mateus se refere a eles como magos (do grego magoi), termo usado na Antiguidade para designar sacerdotes persas, intérpretes de sonhos, especialistas religiosos ou astrólogos. A menção explícita à estrela sugere que o evangelista os via como astrólogos. No relato bíblico, eles consultam o rei Herodes em Jerusalém, seguem a estrela até Belém, oferecem seus presentes ao menino Jesus e retornam por outro caminho após serem alertados em sonho.
A tradição posterior fixou o número em três por causa dos três presentes, mas os primeiros relatos cristãos variaram bastante: alguns falam em dois magos, outros em quatro e há textos que mencionam até doze.
A ideia de que eles eram reis também não está no texto bíblico. Segundo o teólogo Raymond Brown, essa interpretação surgiu de leituras cristãs de passagens como Isaías 60 e o Salmo 72, que falam de reis trazendo presentes. No século III, o escritor cristão Tertuliano afirmou que “o Oriente geralmente considerava os magos como reis”, visão que se consolidou no mundo cristão até o século VI.
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Textos apócrifos ampliaram ainda mais a narrativa. Um dos mais elaborados é a Revelação dos Magos, preservada em um manuscrito sírio do século VIII. Nela, os magos vêm de uma terra distante chamada “Shir”, possivelmente localizada além da Pérsia, e seriam descendentes de Sete, filho de Adão e Eva.
A estrela aparece como um ser luminoso que fala e os guia, transformando a viagem em uma peregrinação visionária. Após o encontro com Jesus, eles retornam e anunciam sua mensagem em sua terra natal.
Para Brent Landau, professor da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, e tradutor da obra para o inglês, o texto “não é simplesmente uma ‘fanfic’ criada para entretenimento. O autor parece acreditar que, já que Jesus pode aparecer a qualquer pessoa, em qualquer lugar e tempo, isso significa que potencialmente todas as revelações religiosas da humanidade se baseiam em aparições de Jesus”. Segundo ele, essa visão contrasta com outros escritos cristãos antigos, geralmente mais críticos em relação a religiões não cristãs.
Outras tradições também transformaram os magos em embaixadores reais e missionários. A obra A Lenda de Afroditiano, do século III, descreve-os como reis que levaram até um retrato de Jesus a um templo de Hera, na Pérsia. Já os nomes Melquior, Gaspar e Baltazar só aparecem em textos latinos medievais; fontes mais antigas registram nomes e reinos diferentes, variando conforme a região e a língua.
Até mesmo os camelos, hoje inseparáveis da cena do presépio, são fruto de convenções artísticas. Representações romanas de embaixadas orientais frequentemente incluíam esses animais, comuns no comércio e no transporte de longa distância, o que levou artistas cristãos a adotá-los como símbolo dos visitantes do Oriente.
Para o historiador Eric Vanden Eykel, autor de uma série de livros sobre o conto dos reis magos, essas variações mostram como diferentes comunidades cristãs moldaram a história de acordo com seus valores.
Para alguns, os magos eram “personificações da realeza global”; para outros, astrólogos cuja ciência confirmava a revelação divina; e para outros ainda, santos missionários cuja fé antecedeu a dos apóstolos.
Apesar das incertezas históricas, os magos continuam fascinando porque representam buscadores da verdade por meio da fé. No relato sucinto de Mateus, eles observam um sinal no céu, interpretam seu significado e partem em direção ao desconhecido. Nas tradições posteriores, tornam-se reis, sábios, místicos e visionários — figuras que atravessam culturas e séculos em busca de sentido e revelação.
