Operação mais letal do Brasil seguiu lógica falida e não tira territórios das facções, dizem pesquisadores

 

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Analistas de segurança ouvidos pela CBN afirmam que estratégia do conflito armado é ineficaz sem ações que mirem o poder econômico e a capacidade bélica das facções A operação policial mais letal do Brasil, no Rio de Janeiro, seguiu uma lógica de enfrentamento ao crime que vem sendo adotada há mais de três décadas, mas que até agora não trouxe resultados efetivos na avaliação de especialistas ouvidos pela CBN.

Pesquisadores da área de segurança pública afirmam que, sem a retomada de territórios pelo Estado, as ações de combate armado a traficantes têm pouca eficácia e não deveriam ser comemoradas, já que trazem danos colaterais incalculáveis à população e põem agentes públicos sob risco.

Eles defendem que o trabalho de inteligência para enfraquecer econômica e belicamente as organizações criminosas deveria ser priorizado e feito de modo articulado com outros órgãos, como o Ministério Público.

Luis Flávio Sapori, professor da PUC Minas, cita como exemplo a ser seguido a operação Carbono Oculto, que revelou a infiltração do PCC em setores formais da economia. Mas pondera que a situação do Rio traz desafios particulares devido ao domínio de territórios pelo crime organizado:

“A saída para o Rio de Janeiro seria uma dupla dimensão. Operações integradas com o Ministério Público, polícias em âmbito federal e Receita Federal, para enfraquecer a parte financeira das facções - como São Paulo faz. E, por outro lado, o Rio tem sim que pensar um projeto estratégico de reocupação territorial.”

A pesquisadora Carolina Grillo, coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, afirma que apesar do histórico de décadas de operações policiais, o controle de organizações criminosas e milícias sobre territórios só cresceu no Rio de Janeiro. Ela destaca que as mortes e prisões nesta semana não libertaram os complexos do Alemão e da Penha do controle do Comando Vermelho, e afirma que o enfraquecimento da facção é pontual:

“Mesmo aqueles que, de fato, integravam essas organizações, serão prontamente substituídos, como foram todos os milhares de mortos nos últimos anos pela polícia. Porque há uma oferta de mão de obra para o trabalho criminoso que é inesgotável num país tão desigual. Essa é uma operação que não vai afetar o poder do Comando Vermelho sobre os territórios, não vai desarticular essa organização criminosa, mas que tem um custo altíssimo para as famílias que perderam seus entes queridos.”

O pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Leonardo Silva afirma que a cooperação entre governos federal e estaduais já produziu bons resultados, mas ainda não é realidade no Rio de Janeiro. Para ele, isso fortalece o poder de organizações criminosas, que tem atuação transnacional:

“A lógica de atuação delas se fortalece justamente nesses limites e dificuldades de atuação dos entes públicos. O Comando Vermelho quer saber de estabelecer a rota dele, trazendo cocaína de Peru, Bolívia e Colômbia, exportando pelo porto. Não interessa se é a polícia federal, estadual, municipal ou internacional.”

Segundo os especialistas ouvidos pela CBN, a PEC da Segurança Pública pode institucionalizar a articulação entre governo federal, estados e municípios, mas sozinha não traz solução ao problema da violência armada. A coordenação de esforços para ações de menor impacto social e maior efeito de desmantelamento das redes criminosas dependerá da vontade política dos governantes.