On Tour: Com apenas uma testada, Danilo derrubou o Palmeiras e irrompeu, para sempre, na história do Flamengo

 

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E de repente, era um, eram dez, eram milhares. Diante do parque John F. Kennedy, torcedores em preto e vermelho se juntavam desde 11h da manhã para, de pulseirinhas, partirem de ônibus para o estádio Monumental de Ate. Por perto, a estátua do historiador Raúl Porras, intelectual bastante mencionado horas depois na hora do gol de Danilo, zagueiro e ávido leitor rubro-negro.

A loja de bebidas, apinhada, humilhava a pequena livraria ao lado, que exibia na vitrine um best-seller daqui. O título: “Gatos morrem de olhos abertos”. Um curioso distribuía santinhos com imagem de São Judas Tadeu, e até o Caco Barcellos pegou um. Havia um grupo de torcedores experientes de Brasília, e quando um deles espiou o santo, riu: “Vou pegar, mas não só conheço o cara como veremos o jogo com ele!”.

Judas Tadeu, um sessentão simpático, embarcou no ônibus 6. Conhece tudo de punk rock, por sinal. E viajou com uma certeza inabalável na vitória do Flamengo. Uma fé cega que por vezes me falta, talvez por ser filho de mãe alvinegra. No ônibus, me ocorreu que o Flamengo talvez pudesse sofrer com uma superstição comum entre diversos povos — a maldição da ‘tetrafobia”, segundo a qual o número quatro simboliza mau agouro.

No futebol, muitos já sofreram com isso. Galvão e Pelé se abraçaram berrando “É tetra, é tetra”, e brigaram. Bebeto, autor do gol do Flamengo do nosso quarto caneco brasileiro em 1987, foi vítima de maldição e parou no Vasco. E olha o que tem acontecido com o Sport, que se meteu a contestar nosso tetra.

Torcedores do Flamengo reunidos para final da Libertadores

Arquivo pessoal

Entramos no estádio 30 minutos antes do apito inicial, e já não havia ateus entre os cerca de 50 mil brasileiros presentes. Por fora, o campo onde Gabigol se tornou imortal é esquisito e lembra uma prisão do filme “Brubaker”. Por dentro, com seus camarotes, é estranho como um hotel de Miami. Sem o mesmo serviço de coquetéis.

A minha “tetrafobia” seguia firme feito uma cordilheira peruana, até o escanteio decisivo. Quando Arrasca lançou, o mineiro Danilo voou para conseguir o impensável. Com apenas uma testada, derrubou o Palmeiras e irrompeu, para sempre, na história do Flamengo. Ele, desde sábado, está lá ao lado de Valido, Rondinelli, Gaúcho e Angelim, autores de gols aéreos que nos salvaram e forjaram o Flamengo.

Quem sabe, um dia, esses gols voadores não ganham uma sala especial em nosso museu na Gávea? Ou não viram um livro? Tenho até um título: “Deuses cabeceiam de olhos abertos”. O ídolo Danilo leria, na certa.