O Crítico Antigourmet | Soffio: pizza que vai muito além de alimentar 

 

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Este texto foi publicado na newsletter semanal O Crítico Antigourmet, em que Ian Oliver faz resenhas da gastronomia de São Paulo. Quer receber o conteúdo antes da publicação on-line? Clique aqui para se inscrever.

Pizza em São Paulo é comida popular. Oito pedaços, cobertura generosa (com muito queijo, orégano, manjericão, nacos enormes de tomate). Tem a função de alimentar a família paulistana no domingo à noite. O paulistano não busca exatamente a melhor pizza: busca a mais próxima, a mais cômoda, a que não exige reflexão. A indulgência é parte do pacote. Uma pizza mediana, com queijo em excesso e orégano triste, ainda assim cumpre sua tarefa civilizatória.

Durante este ano, visitei, na companhia de colegas tão delirantes quanto eu, mais de uma centena de pizzarias para elaborar um ranking que será publicado (em breve, espero) no meu perfil no Instagram (@ocritico.antigourmet ). A busca era essa: uma pizzaria que fosse além da função cômoda de alimentar e, de fato, se preocupasse com aspectos sensoriais: equilíbrio, textura perfeita, complexidade, intensidade. Confesso que não encontramos muitas. A Soffio, no improvável e pouco gastronômico Campo Belo (falo com conhecimento de vizinhança), é uma delas.

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Marguerita da Soffio se impõe com cor e contraste

Ian Oliver

Estilo

A marguerita da Soffio não é exatamente napolitana — e ainda bem. Ela pertence ao que se convencionou chamar de “estilo contemporâneo”: fermentações mais longas, hidratação alta, bordas infladas, forno potente, mas sem a rigidez museológica da versão italiana. É um gesto de liberdade técnica: menos reprodução, mais interpretação.

Visual

Antes de qualquer mordida, ela se impõe com cor e contraste. A borda está inflada, irregular, com bolhas douradas e queimadinhos de forno que denunciam fogo vivo, que praticamente “sela” a massa. Não é plana, nem industrialmente simétrica. É orgânica e fresca. A preferência por bordas maiores não deixa a pizza mais pesada. Quando a fermentação é bem feita, ela fica aerada e leve. A opção por esse tamanho e pela delicadeza do trabalho é quase que um aviso elegante — mas firme — ao público paulistano, que costuma deixar a borda no prato: “aqui, respeitamos a borda”.

O centro é fino, úmido, mas não encharcado — a fatia cede ao peso da cobertura, mas sem colapsar. O queijo está derretido, sim, mas com bolsões elásticos, não uma placa uniforme. E o molho deve aparecer: vermelho vibrante, vivo.

"Aqui, respeitamos a borda", parece avisar a pizza do Soffio

Ian Oliver

Textura

A massa da pizza é leve e elástica. Por fora, crocante; por dentro, macia, com um leve puxar entre os dentes. Não deve esfarelar, nem resistir em demasia, mas sim desfiar. Há ar, há fermentação natural, há estrutura. Ao mastigar, o miolo da borda é quase um pão de longa fermentação — úmido, cheio de alvéolos, com sabor próprio.

Aroma

Os aromas dos ingredientes são notáveis, mas não se destacam uns dos outros: frutado do tomate, lácteo do queijo, tostado e fermentado da borda, herbáceo do manjericão. Cada camada de aroma pode ser sentida antes mesmo da primeira mordida. É um prenúncio do que virá.

Sabor

Em boca, a massa tem gosto. Fermentada, com leve acidez, um toque salino, quase como um sourdough discreto. O molho de tomate é doce e ácido em equilíbrio, cru o suficiente para manter frescor, mas cozido o suficiente para trazer profundidade. Tomate pelado bom, sem excesso de ervas, sem ketchup.

O queijo derrete sem se separar — mussarela fior di latte, com leite de verdade, que puxa fio, mas não emborracha. A gordura — do queijo, do azeite — dá untuosidade, sem dominar tudo. O manjericão é fresco e entra para complementar.

Entradas e sobremesas

Algumas entradas provadas, além de sobremesas, como o Tiramisu, mais pavezudo e aerado que o clássico italiano — não têm o mesmo brilho da marguerita. Mas cumprem sua função de abertura e fechamento para uma pizza que vale a travessia de bairro.

Todas as visitas do crítico são pagas pelo GLOBO e feitas sem qualquer aviso prévio.

Tiramisu pavezudo e aerado não têm o mesmo brilho da marguerita

Ian Oliver

SOFFIO | Informações essenciais

📍 Endereço: Rua Vieira de Morais, 1178 — Campo Belo, São Paulo – SP

🍽️ Culinária: Pizza de estilo contemporâneo (fermentações longas, hidratação alta, borda aerada; execução técnica acima da média)

👨‍🍳 Chef: Dani Branca

⏰ Horário de Funcionamento:

• Terça a quinta: 18h–23h

• Sexta e Sábado: 18h–23h30

• Domingo: 18h–22h

• Segunda: fechado

📞 Telefone: (11) 5041-5555 

💲 Faixa de preço: $$-$$$ (pizzas entre faixa média/alta paulistana; excelente relação qualidade–preço considerando a técnica)

🥘 Destaques:

Massa de longa fermentação, leve, aerada e com bordas trabalhadas com rigor técnico

Molho fresco, vibrante, feito com tomates de boa procedência

Fior di latte de excelente qualidade

Pizza marguerita que vai além da média paulistana, com clara intenção sensorial de contraste, textura e equilíbrio

Uma das raras casas do bairro que trabalha pizza contemporânea sem cair na caricatura “napolitana de Instagram”

👀 Atmosfera: casa pequena, charmosa, luz baixa, madeira clara; sensação de refúgio no Campo Belo; público discreto, moradores e curiosos da pizza moderna

🍷 Bebidas: carta curta, funcional; vinhos simples; apoio correto ao estilo de pizza

⚖️ Veredicto: Entre mais de uma centena de pizzarias visitadas para meu ranking, a Soffio figura como uma das poucas que realmente entende o que significa dominar fermentação, textura e equilíbrio sensorial. Sua pizza representa um salto técnico na cidade, com borda viva, miolo úmido e aromas complexos, sustentada por equilíbrio e execução segura. Entradas e sobremesas são corretas, mas não alcançam o brilho da marguerita — ainda assim, compõem bem a refeição. Vale a travessia de bairro.

📝 Avaliação: ⭐⭐⭐⭐✰

Classificação: Ruim ✰✰✰✰✰ | Satisfatório ⭐✰✰✰✰ | Bom ⭐⭐✰✰✰ | Muito bom  ⭐⭐⭐✰✰ | Excelente ⭐⭐⭐⭐✰ | Excepcional ⭐⭐⭐⭐⭐