Número de fábricas de bebidas falsificadas saltou de 12 para 80 em quatro anos, aponta levantamento

 

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Dados reunidos pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF) mostram que, entre 2020 e 2024, a quantidade de fábricas clandestinas de bebidas saltou de 12 para 80, um crescimento de 566%, segundo consta na edição deste ano do anuário da organização. Apenas nos oito primeiros meses de 2025, 185 mil garrafas de bebidas alcoólicas adulteradas foram apreendidas pelas autoridades. A expansão do mercado ilegal está na mira das autoridades policiais após casos de intoxicação por metanol provocarem mortes em São Paulo e Pernambuco.

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O faturamento dos grupos criminosos envolvidos na produção clandestina é estimado em R$ 62 bilhões. Também divulgado neste ano, um relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) calcula que, entre 2016 e 2022, a quantidade de litros produzidos cresceu 100%, indo de 128 milhões para 256 milhões.

— O país enfrenta dificuldades em termos de controle, ações fiscalizatórias e rastreamento. Somos um país gigantes com muita bebida circulando e sendo consumida — diz o assessor de Relações Internacionais do FBSP Nivio Nascimento, que coordenou o estudo — A falsificação tem sido usada por diversas organizações criminosas, que exploram esse mercado trazendo diversos problemas, como a intoxicação por metanol, mas também evasão de divisas, sonegação e outros.

O anuário da ABCF aponta ainda que o mercado nacional de destilados é tomado em 36% por bebidas falsificadas. Entre os produtos que mais são produzidos clandestinamente estão o uísque, o gim e o vinho. Dados reunidos pela associação indicam ainda que o número de garrafas contrabandeadas apreendidas tem caído, enquanto o de falsificadas, aumentado

Ambos os relatórios chamam atenção para a presença do crime organizado no negócio das bebidas falsificadas. O tema é alvo de divergência entre o governo de São Paulo e a Polícia Federal nas investigações relativas à onda recente de intoxicação por metanol. Enquanto o secretário de Segurança Guilherme Derrite afirmou que o envolvimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) está descartado, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, declarou que a hipótese ainda é alvo de investigação.

O envolvimento do PCC e do Comando Vermelho (CV) na comercialização de bebidas falsificadas e contrabandeadas é uma “realidade preocupante”, destaca o FBSP. “O mercado ilegal de bebidas financia atividades como tráfico de drogas e armas, ao mesmo tempo que monopoliza mercados locais em territórios vulneráveis com baixa presença do Estado”, acrescenta o relatório do fórum. Nascimento acrescenta, no entanto, que outros grupos criminosos também estão envolvidos:

— O crime organizado tem de ser entendido para além de facções, sabendo que elas fazem parte do ecossistema da economia criminal, mas não são as únicas.

Segundo a ABCF, a entrada do crime organizado no mercado de falsificação de bebidas mudou a escala do problema. Antes, os responsáveis por esses esquemas eram pequenos comerciantes que compravam bebidas de produtores e envasavam os líquidos como se fossem originais de marcas conhecidas. A falta de fiscalização e a desorganização do setor são atrativos para os criminosos. No anuário, uma delegada afirma que, apesar de existirem casos de falsificadores de "fundos de quintal", produtores e empresas maiores também estão envolvidos.

"Elas têm galpões grandes, às vezes são registradas, o que não quer dizer que estejam dentro do padrão. Já fomos a lugares que tinham até caminhões-tanque", disse a delegada, sem dar detalhes para não atrapalhar investigações em andamento.

O relatório do FBSP destaca ainda que o desligamento do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) em 2016 "ocasionou um apagão de dados consolidados sobre o mercado ilegal de bebidas". O sistema rastreava em tempo real a produção de bebidas, o que reduzia a sonegação e o contrabando. Sem ele, o monitoramento da produção tornou-se "fragmentado, difícil e falho". O entendimento é compartilhado pela ABCF que vê no encerramento do Sicobe um dos fatores que impulsionou o avanço do crime organizado no setor de bebidas.

Segundo a Receita Federal, no entanto, não há correlação entre os casos de intoxicação por metanol em bebidas destiladas e o desligamento do Sicobe, que media a quantidade de cervejas, refrigerantes e águas produzidas. O controle de bebidas destiladas, como uísque, vodca e gin, é feito por meio de selos impressos pela Casa da Moeda, acrescenta o órgão.

— Não dá para continuar sem um sistema de rastreamento em um setor que movimenta tanta mercadoria. Mal ou bem, o cigarro tem o sistema Scorpios. Agora, bebida é auto declaração. Não tem nenhuma forma de certificar que uma determinada bebida é a mesma que a produzida na fábrica — diz Nascimento.