No Ártico, os EUA mudam o foco da pesquisa climática para a segurança

 

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O Ártico está aquecendo quase quatro vezes mais rápido do que o restante do planeta e é um dos lugares que mais mudam rapidamente na Terra. E a abordagem dos Estados Unidos em relação à pesquisa no Ártico também começou a mudar.

Em vez de se concentrar principalmente em ciência climática e ambiental, o governo Trump parece estar direcionando os esforços de pesquisa para interesses militares e de defesa.

— É uma mudança radical — disse Michael Walsh, pesquisador sênior do Foreign Policy Research Institute. — Eles enquadram tudo pela ótica da segurança nacional.

O presidente Trump demonstrou seu interesse pela região ártica nos primeiros meses de volta ao cargo. Ele disse que os EUA iriam — tão longe quanto precisássemos ir — para controlar a Groenlândia e anunciou a intenção de encomendar novos navios quebra-gelo.

Ele também emitiu ordens executivas para acelerar o desenvolvimento de petróleo e gás no Alasca e para — garantir a segurança e a liderança das vias navegáveis do Ártico.

Em maio, um comitê governamental tomou a medida incomum de editar um documento de planejamento da era Biden para — alinhar-se às políticas da administração atual. A versão revisada já não incluía as palavras “mudança climática”, foco central dos trabalhos na região durante décadas. Também parecia rebaixar o valor atribuído às contribuições de pesquisa das comunidades indígenas locais.

Um dos oito países com território no Ártico, os EUA são líderes globais em ciência na região

Erin Schaff/The New York Times

Pouco depois, a Comissão de Pesquisa Ártica dos EUA, uma agência federal independente, divulgou um relatório sobre as prioridades no Ártico que enfatizava segurança militar, comunitária, econômica e energética. — A região ártica é fundamental para a defesa de nossa pátria, a proteção da soberania nacional dos EUA e o cumprimento dos compromissos de defesa de nossa nação — afirma um trecho.

Esse relatório orientará o próximo plano nacional de pesquisa ártica, que guiará a ciência na região por cinco anos a partir de 2027. Ele é — especificamente voltado para a segurança nacional —, disse Cheryl Rosa, vice-diretora da Comissão de Pesquisa Ártica dos EUA, em uma reunião de setembro.

John Farrell, diretor executivo da comissão, disse que sua missão fundamental é promover a pesquisa ártica e que ela é — responsiva às orientações da Casa Branca, incluindo a priorização da segurança.

A Casa Branca não respondeu a pedidos de comentário.

Um dos oito países com território no Ártico, os EUA têm sido líderes globais em ciência na região.

A National Science Foundation, uma agência federal, financiou o Consórcio de Pesquisa Ártica dos Estados Unidos por quase 40 anos. O consórcio é uma organização sem fins lucrativos que coordenava pesquisas no Ártico em uma rede internacional de cientistas.

U.S.S. Indiana

Kenny Holston/The New York Times

Mas depois que o governo Trump começou a cortar os subsídios da National Science Foundation, o consórcio optou por não competir pelos poucos recursos restantes e encerrou as atividades em 30 de setembro. Audrey Taylor, que atuou como diretora do consórcio, descreveu a decisão como — angustiante.

O consórcio apoiava locais como a Estação de Campo Toolik, no Alasca, o maior posto avançado de pesquisa dos EUA na região. Ele fornecia aos cientistas transporte, equipamentos e hospedagem, tornando possível o estudo desse local remoto.

— Precisamos realmente de pessoas em campo para estudar o que está acontecendo — disse Brian Barnes, professor da Universidade do Alasca Fairbanks e codiretor científico da Estação Toolik.

A National Science Foundation não respondeu a um pedido de comentário.

Os Estados Unidos também financiaram outros grandes centros de ciência e projetos de monitoramento de longo prazo na região, incluindo o Observatório de Referência Atmosférica de Barrow, uma das quatro instalações americanas que medem a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. O orçamento proposto por Trump prevê o fechamento do observatório e o cancelamento do contrato de arrendamento do Observatório de Mauna Loa, no Havaí, a instalação de medição de gases de efeito estufa em operação contínua mais longa do mundo.

Mas mesmo ao se afastar da ciência climática, o governo reconhece a convulsão ambiental na região.

A pesquisa polar é uma das principais prioridades orçamentárias do governo para 2027, segundo um memorando recentemente divulgado pelo Escritório de Administração e Orçamento dos EUA. O documento afirma que os Estados Unidos são afetados pelas — mudanças rápidas no Ártico — e que as agências devem investir em pesquisa e desenvolvimento que — garantam a navegação incontestada da América e a utilização estratégica do Ártico.

O gelo marinho, que antes bloqueava a passagem de navios pela região durante a maior parte do ano, vem diminuindo há quase meio século, à medida que as concentrações de gases de efeito estufa provenientes da queima de petróleo e gás aquecem o planeta. Em março, satélites observaram a menor quantidade de gelo marinho de inverno já registrada.

Como resultado, navios comerciais começaram a usar atalhos pelo Ártico. Embora o governo Biden tenha enfatizado a mudança climática como uma preocupação, tanto a administração Biden quanto a Trump descreveram a crescente navegabilidade das águas árticas como uma questão de segurança e uma oportunidade econômica emergente.

O gelo polar em terra e no mar ajuda a refletir o calor do sol de volta ao espaço. O desaparecimento do gelo intensifica o aquecimento e eleva os níveis do mar em todo o mundo.

Ao mesmo tempo, a camada congelada de solo que cobre grande parte do Ártico, conhecida como permafrost, está derretendo. Isso libera mais gases de efeito estufa, como o metano, e faz o terreno afundar, colapsar e, em alguns casos, explodir.

— O Ártico é o proverbial “canário na mina de carvão” — disse Mark Serreze, diretor do Centro Nacional de Dados de Neve e Gelo da Universidade do Colorado. — Além dos impactos sobre as pessoas que vivem lá, o que acontece no Ártico afeta o resto do mundo.

Bonnie Scheele, uma pastora de renas inuíte em Nome, Alasca, trabalhou com cientistas americanos ligados ao agora extinto Consórcio de Pesquisa Ártica para acompanhar algumas das mudanças ambientais na região que estão perturbando o modo de vida e a dieta tradicionais de sua comunidade.

Scheele ficou — triste e frustrada — com o fechamento do consórcio e se preocupou com a lacuna na colaboração indígena em pesquisas. Frequentemente, disse ela, o conhecimento acumulado ao longo de séculos pelas culturas indígenas é usado por forasteiros sem reconhecimento ou benefício para as comunidades nativas. — Mas isso era diferente — disse. — Foi isso que tornou tão especial.

— Qualquer pesquisa relacionada ao Ártico vai nos impactar, e queremos fazer parte dela desde o começo — disse Julie Raymond-Yakoubian, diretora do Programa de Ciências Sociais da Kawerak, um consórcio tribal que representa 20 tribos na região e trabalhava em estreita colaboração com o Consórcio de Pesquisa Ártica. — Nós fazemos parte da comunidade científica, não estamos apenas olhando de fora.