Nº 1 do ranking, brasileira chega ao Mundial de Taekwondo como favorita: 'sou a adversária mais estudada'
Logo em sua estreia como atleta profissional, no Mundial de Taekwondo de 2023, a brasileira Maria Clara Pacheco mostrou a que veio: foi medalha de bronze na categoria 57kg. O ótimo resultado criou muita expectativa sobre seu desempenho na Olimpíada de Paris, na temporada seguinte, mas a esperança de pódio acabou frustrada por um sétimo lugar. A decepção que poderia ter se transformado em grande obstáculo a sua promissora carreira acabou virando trampolim. Foi o ponto de virada que a fez chegar a 2025, um ano depois, como favorita ao Mundial de Wuxi, na China, que começa nesta quinta-feira.
Do alto de seu 1,69m, Maria Clara inicia sua busca pelo título inédito às 22h de Brasília, com transmissão da World Taekwondo Championships (clique aqui para ser transferido ao link), contra a vencedora de Leonor Correia (Portugal) x Youen Ting So (Hong Kong). Em entrevista ao GLOBO, ela conta como mudou sua preparação mental e os métodos de treinos para vencer as oito competições de que participou este ano. A campanha arrasadora a levou a se tornar a primeira brasileira número 1 dos rankings mundial e olímpico da modalidade desde Nathalia Falavignia, em 2008.
Maria Clara Pacheco finalizou a preparação para o mundial no Centro de Treinamento Maria Lenk, de onde partiu para a China
Júlia Aguiar/ O GLOBO
Como está a expectativa para disputar uma das poucas competições que ainda não conseguiu vencer?
Quero muito ser campeã mundial, é algo que desejo desde criança. Depois de ganhar o bronze em 2023, é algo que quero ainda mais. Se desejo vencer GPs? Sim. Pan-Americano? Quero também. Mas é o Mundial que eu mais desejo.
Que mudanças julga que foram essenciais para conseguir despontar em 2025?
Nunca estive ali no primeiro lugar, o mais alto do pódio. Então fiz muitas mudanças. De estrutura, foi total. Troquei a equipe, treinador e, principalmente, contratei um preparador físico. Estou treinando com outras pessoas. Comecei a fazer um trabalho tanto físico quanto técnico e tático, totalmente diferente, mais adaptado, mais voltado para mim, para as minhas necessidades.
O fato de você ser mais baixa que muitas de suas adversárias era uma dificuldade a ser vencida?
Sim. É meio que um padrão, já que sei que vou lutar com meninas maiores que eu. Nas quartas de final e semifinais, é certeza que vai vir uma menina bem grandona, com mais de 1,80m. Antes eu tinha muita dificuldade. Isso foi uma coisa a que consegui me adaptar melhor. A chinesa que me derrotou na Olimpíada (Luo Zongshi) é muito mais alta que eu, e consegui pontuar muito pouco daquela vez. Quatro meses depois, lutei com ela de novo e consegui ganhar por mais de 12 pontos de diferença. Foi ali que vi uma evolução muito grande na estratégia.
Como decidiu, dentro do calendário cheio de competições, quais as melhores escolhas para chegar ao primeiro lugar nos rankings?
É difícil montar esse calendário, sem uma competição atrapalhar a outra, porque temos todo o período de preparação e, principalmente, o período de perda de peso de pelo menos uma ou duas semanas cada. Lutei as competições mais importantes. Colocamos alguns objetivos: classificar para os GPs do ano que vem, meta que já atingimos ao vencer dois deles e ao conseguir o primeiro lugar no ranking.
A lutadora de Taekwondo Maria Clara Pacheco no Centro de Treinamento Maria Lenk, em Jacarepaguá
Júlia Aguiar/ O GLOBO.
Você admite ser uma pessoa mais tímida, como foi o seu início na modalidade? O que te fez se interessar por rodar o mundo competindo?
Eu me dava bem com o pessoal (do treino) e os meninos, a maior parte deles, era mais velho. Eu apanhava muito, mas gostava, achava que estavam me ensinando, ficando melhor e quando chegava em competições júniors, ficava na minha cabeça: "se estou aguentando os meninos mais velhos, como não vou bater nas meninas da minha idade?", então batia muito nelas. Mas hoje é bom também ter parceiras de treina que estão comigo, e também se tornar uma inspiração para outras meninas.
Sua família sempre te apoiou na modalidade. Sua mãe chegou a se mudar com você, quando decidiu ir para outra cidade em busca de melhores treinos, ajudou no início da carreira pagando diversas competições. Ainda te motiva dentro de casa?
Antes de viajar para Charlotte, minha mãe estava passando mal. Eu sabia que poderia ser campeã, mas estava preocupada com ela. Ainda assim, a perguntei se queria algum presente dos Estados Unidos, e ela me respondeu: "quero só a medalha de ouro". Aí eu ganhei a medalha. E isto se tornou uma coisa nossa: Agora, em toda competição, eu a pergunto o que quer, ela pede o ouro, e eu tenho trazido. O ano inteiro está sendo assim. Por conta das três competições que tenho na China, ela pediu três de uma vez, respondi: "caramba, você está exigente, hein?".
Você já teve dificuldades como ter que vender bingo, sua mãe passou anos dedicando parte a maior parte do salário para te ajudar, como você custeia as viagens e condições do treino hoje?
Eu não preciso mais da ajuda dela mesmo, inclusive, hoje ela não trabalha. Mas minha mãe pretende voltar a trabalhar, com o que ela gosta muito de trabalhar. Ela não aguenta ficar em casa. Agora eu tenho 2 patrocínios, de suplementos, e a minha fisioterapeuta, além do apoio da Marinha do Brasil, que paga o meu salário. Tenho também o Bolsa-Pódio, pelo Ministério do Esporte, mas ainda estou em busca de outras coisas que possam me dar uma segurança financeira maior para continuar no esporte. Porque eu estudo, mas não consigo me dedicar tanto à faculdade como ao Taekwondo, nisso a CBTKD e o COB estão me ajudando bastante também, ao terem me trazido com tudo pago para os treinos no CT Maria Lenk, para ter uma estrutura ideal para uma preparação de nível mundial.
Todo este aparato em seu auxílio, veio junto de muitos títulos. Agora você se tornou a pessoa mais visada, como é sair do ponto de alguém que almeja ser campeã, para a pessoa que está tentando se manter no topo?
Tem um lado bom e o lado ruim. Quando você é favorito, impõe alguma moral. Você tem algum respeito das adversárias, e isso pesa muito no taekwondo, porque tem gente que entra já meio derrotada, já não acredita tanto em si (quando te enfrente). Tem vários adversárias que eu já lutei, que tem muito potencial de ser uma luta muito difícil comigo, mas acaba sendo mais fácil por conta deste medo. O lado ruim, é que, como eu tô ali nos holofotes, ganhando, sou a adversária mais estudada, que as pessoas mais treinam para bater, para ganhar de mim. Mas o que me deixa tranquila é saber que estou trabalhando em cima de falhas que tive nas lutas. Posso ter ganhado todas as competições, mas eu não fui perfeita. Eu perdi algum round, eu tomei algum chute na cara, então a gente sempre tem coisas pra melhorar e acho que isso deixa me deixa mais aliviada de saber que eu estou ganhando já fazendo isso.
Hoje você é a pessoa que está na frente, mas o time Brasil, como um todo, chega com o mesmo favoritismo que você para o torneio de equipes. Como conduziram os treinos e como você pensa que será a tentativa de tricampeonato no mundial?
É uma das seleções mais fortes em que já estive. A gente tem o medalhista olímpico, Edival Pontes, a gente tem a campeã de Jogos Pan-Americanos, Milena Titoneli. O Henrique Marques também, que é atleta olímpico. Ícaro, Rayane... muitas pessoas que já tiveram muitos resultados positivos em outras edições e muitos medalhistas mundiais. Todos eles têm chances de pódio, sem contar os outros talentos que ainda não apareceram. Isso motiva bastante, então eu estou com expectativas altas tanto para o individual quanto por equipes também, porque o Brasil já é bicampeão mundial neste formato. A gente tem 2 títulos de Copa do Mundo já, então eu espero que a gente consiga o terceiro este mês.
