Natal na Rocinha mostra que a gente não pode deixar a magia morrer
Das boas notícias que gostamos de dar: pela primeira vez, a Rocinha, maior favela do Brasil, localizada no Rio de Janeiro, ganhou uma cidade natalina tecnológica, toda iluminada. A inauguração aconteceu no fim de semana passado. O líder comunitário João Bosco contou em reportagem publicada aqui mesmo no EXTRA que foi um projeto idealizado e sonhado por dois anos.
Entre as falas dele e as do fotógrafo Dan Delmiro, que registrou a festa, me chamou a atenção o destaque para o entusiasmo de adultos e crianças ao verem aquele montão de luzes se acendendo ao som de uma orquestra. De acordo com a dupla, muitos foram às lágrimas. Mais do que emoção, aquela beleza toda dava aos moradores a sensação de pertencimento. Desta vez, na própria comunidade, havia algo extraordinário, mais comum de acontecer nos shoppings que muitos não podem frequentar ou em bairros nobres. Teve ainda Papai Noel e distribuição de brinquedos. “Dois mil sorrisos embalados em presente”, resumiram.
Se o Natal é a festa do renascimento, na Rocinha ele se concretiza. Ainda que os problemas e necessidades sociais não se resolvam com árvores e bonecos iluminados ou um simpático senhor barbudo dizendo “ho! ho! ho!’’, essa magia toda traz esperança. E não há vida sem esperança.
Seja rico ou seja pobre, molecote ou marmanjo, menininha brincando de boneca ou mãe de família que batalha diariamente, todos nós merecemos compartilhar desse momento feliz. E do clima da época, com pessoas tentando manifestar o que elas têm de melhor, buscando ser melhores.
Em dezembro de 2022, escrevi nesta mesma coluna o Natal que habitava o meu imaginário. Ainda que o tempo esteja passando e eu, envelhecendo, uma menina se mantém viva aqui dentro. Na cabeça dela, Papai Noel não duela com o protagonista da data às vezes esquecido, Jesus Cristo. Penso, inclusive, que a intriga que alguns mais radicais construíram entre eles é coisa inventada por adultos. Crianças brincariam com os dois num dia feliz de Natal, sem dilemas, e Deus ficaria imensamente satisfeito com isso.
Tem gente alugando árvore de Natal pronta pra facilitar (qual a lógica?), debatendo de novo com o parente no grupo da família se ele vai levar só um frango assado ou um peru... É todo ano isso, o espírito natalino indo pra cucuia... Mas sempre haverá quem acenderá luzes, como as da Rocinha, que permanecerão lá até janeiro levando doses de alegria aos moradores. Ou como as que eu vejo da minha janela, seja na cobertura abastada do vizinho do prédio da esquina ou do casebre do morro dos Cabritos, no outro lado da rua. Desejo, sinceramente, sensibilidade e sabedoria a todos, para valorizarem os reais ensinamentos que essa festa propõe. Que bom que a gente ainda acredita. Triste é quando não se acredita mais.
Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: gabriela.germano@extra.inf.br
