Na Caatinga, histórico de resiliência e de convivência com a seca aponta caminhos para adaptação

 

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As pinturas rupestres de 5 mil a 3 mil anos atrás nos paredões da Serra da Capivara, no Sul do Piauí, revelam que os brasileiros da pré-história tinham água em fartura, quadro bem diferente do atual clima no coração do Semiárido nordestino. Imagens de animais de grande porte expostas nos sítios arqueológicos indicam a presença de florestas úmidas e exuberantes outrora na região — ambiente de abundância também simbolizado nas grotas por figuras humanas em cenas de alegria, festa e celebração.

Cientistas estimam que as chuvas escassearam e as plantas adaptadas ao clima mais seco começaram a dominar a paisagem após alterações na insolação da Terra e outras dinâmicas, há cerca de 4,2 mil anos. Atualmente, o município de São Raimundo Nonato (PI), onde se localiza o parque nacional que protege o patrimônio arqueológico e a biodiversidade da Caatinga, retrata um novo ciclo de mudança climática, agora associada às ações humanas no planeta. Segundo indicadores da Agência Nacional de Águas (ANA), sob os efeitos do fenômeno La Niña e do aquecimento global, houve redução expressiva das chuvas neste ano na região.

No município piauiense, o abastecimento por carros-pipa é rotina. Junto ao aumento de secas extremas, o quadro se agrava com a degradação da terra, demandando a expansão de políticas e tecnologias para segurança alimentar.

— Aprendemos a nos adaptar ao clima ao longo da história. Já sabemos como fazer, mas hoje há novos desafios — afirma a servidora pública aposentada Maria da Conceição Araújo, liderança que restaurou vegetação nativa na área de uma penitenciária para alimentação dos detentos.

Não muito longe, no município de Simões (PI), pequenos produtores instalam sistemas agroflorestais irrigados pelo reúso de água cinza, captada da cozinha e do chuveiro. O plano é recuperar 600 hectares do bioma, em 33 municípios de Piauí, Ceará e Pernambuco, por meio de agroflorestas com espécies nativas resilientes.

— O esforço é compatibilizar conservação e produção, que depende do funcionamento dos ecossistemas para manter os modos de vida — observa Joaquim Freitas, coordenador geral do Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan). — O aspecto socioeconômico é central nessa reconstrução.

Expansão do agronegócio

Freitas vê um paradoxo: por um lado, a natureza dá lições de resistência ao clima hostil no sertão nordestino; por outro, o melhoramento genético da soja e do milho com plantas mais resistentes empurra a expansão do agronegócio — e do desmatamento — do Cerrado para a Caatinga. O bioma, único exclusivamente brasileiro, representa metade da captura de carbono do país, mas só restou 60% da vegetação nativa, segundo o MapBiomas.

Na análise de Alexandre Pires, diretor de combate à desertificação do Ministério do Meio Ambiente, “com 1,4 milhão de estabelecimentos da agricultura familiar, a Caatinga não pode permanecer esquecida no debate climático”. Pelo contrário, completa o diretor, “precisa ser valorizada com a oportunidade de novas frentes econômicas, sem o estigma de lugar pobre e estéril”. O Plano Nacional de Recuperação de Vegetação Nativa (Planaveg) prevê a restauração de 500 mil hectares no bioma até 2030.

No Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte, a carnaúba — palmeira de múltiplos usos industriais — é uma oportunidade. Só o Ceará exporta US$ 110 milhões ao ano de cera de carnaúba para compor chips de computador, cosméticos e outros produtos, empregando 100 mil pessoas.

— Além da captura de carbono, a espécie é fonte de renda essencial na adaptação à mudança do clima — diz Daniel Fernandes, diretor executivo da Associação Caatinga, à frente de projetos de restauração e criação de áreas protegidas.