Municípios unem forças em consórcios para conservar florestas na Mata Atlântica
A recorrência de eventos extremos — como ondas de calor, secas e inundações — tem impulsionado municípios brasileiros, em especial de pequeno porte, a unir forças para ampliar a capacidade local de resposta aos impactos do aquecimento global, por meio de consórcios intermunicipais. Enquanto parcerias constituídas inicialmente para outros fins abraçam a pauta ambiental, novas surgem com foco exclusivo nessa agenda. Entre os objetivos está a conservação de florestas, a exemplo da Mata Atlântica, bioma mais degradado no Brasil e essencial para a resiliência climática das cidades, tema que compõe um dos eixos da Agenda de Ação da COP30.
Diante da urgência de adaptação às mudanças no clima, ações de preservação da Mata Atlântica são estratégicas para regular as temperaturas, reduzir ilhas de calor, proteger o solo e as encostas, prevenir a erosão e garantir a segurança hídrica da população. O abastecimento de água em diversos municípios dos 17 estados onde o bioma está presente — incluindo as duas maiores metrópoles do país, São Paulo e Rio de Janeiro — depende da floresta, que abriga nascentes de rios e tem papel fundamental na recarga de aquíferos.
Cobertura vegetal
No Consórcio Intermunicipal Três Rios, que reúne 23 municípios paulistas das regiões do Vale do Paraíba e Alto Tietê, a questão hídrica é uma das prioridades. Entre outras atividades, a entidade executa o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) Refloresta-SP — Vale Mais Verde, financiado por R$ 8,9 milhões provenientes de um fundo estadual de São Paulo. O recurso é utilizado para remunerar produtores rurais que se comprometem a preservar nascentes, recuperar áreas degradadas e ampliar a cobertura vegetal com espécies nativas da Mata Atlântica em suas propriedades.
Segundo o secretário-executivo do consórcio, Victor de Cássio Miranda, 111 produtores rurais já são parceiros do programa. Os interessados em participar passam por um processo seletivo e, depois, precisam seguir um projeto ambiental personalizado, elaborado de acordo com as características de cada propriedade. Não é necessário abandonar as culturas agrícolas ou a criação de animais já existentes, mas integrá-las à natureza por meio de sistemas agroflorestais. Quando o plano contempla a preservação de nascentes, o que incrementa o valor pago ao proprietário, o trabalho inclui o plantio de árvores ao redor do manancial e o cercamento das mudas para evitar o pisoteio pelo gado.
Uma equipe técnica acompanha os produtores participantes do programa durante 30 meses, a fim de oferecer apoio técnico e verificar se o contrato está sendo cumprido. A remuneração pode chegar a R$ 100 mil, dependendo da propriedade e do projeto.
— Os proprietários rurais ficam muito satisfeitos com os resultados, já que as propriedades são valorizadas. Com mais vegetação, há mais sombra e menos estresse para o gado. Com nascentes preservadas, a propriedade passa a ter mais água e a produzir melhor. As árvores começam a dar mais frutos, e isso aumenta o lucro nas vendas. É um legado que fica para a família e o meio ambiente — diz Miranda.
Equipes do Consórcio Três Rios acompanham produtores e verificam cumprimento do contrato
Divulgação
Nas próximas semanas, 33 produtores que haviam ficado em uma lista de espera devem ingressar no programa. A iniciativa recebeu um aporte adicional de R$ 2,5 milhões do governo paulista.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), há 190 consórcios intermunicipais no país com atuação em meio ambiente. O Sudeste concentra a maioria deles. Ao todo, são 2.500 municípios consorciados, que se beneficiam de ganho de escala, troca de experiências, compartilhamento de equipe técnica especializada e maior articulação política com a formação dessas alianças.
— Há um esforço de pensar novos instrumentos e atualizar outros com o objetivo de conservar e restaurar florestas. Isso deixou de ser uma pauta só ambiental e tem se tornado parte da agenda urbana — afirma a analista regional de biodiversidade do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, Luísa Acauan Lorentz.
Na Bahia, o Consórcio Intermunicipal da Mata Atlântica (CIMA), composto por 12 municípios do sul do estado inseridos no bioma, é conveniado ao Programa Estadual de Gestão Ambiental Compartilhada (GAC), que visa ampliar a capacidade das prefeituras para a gestão ambiental. Técnicos do GAC assessoram os municípios em atividades de licenciamento (incluindo autorização para agricultura e pecuária) e fiscalização — de desmatamentos e queimadas, por exemplo —, ambas de responsabilidade municipal. O suporte inclui ainda elaboração de pareceres e relatórios, capacitação de equipes e apoio na otimização de processos.
— Um dos problemas é a existência de lixões próximos a nascentes de rios. Para resguardar a água de contaminação, auxiliamos as prefeituras na gestão de resíduos sólidos, e algumas já estão fazendo o descarte em aterros sanitários. A meta é implantar isso em todos os municípios do consórcio — diz Lucélia Berbert, agrônoma do programa.
Conhecimento de políticas
De acordo com o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, a governança multinível, caracterizada pela interação entre diferentes esferas de poder, é crucial para a obtenção de resultados mais efetivos:
— O poder municipal é quem melhor conhece o território onde essas políticas serão implementadas e entende de forma prática as particularidades locais.
Um estudo da CNM em todo o Brasil, entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, revelou que apenas dois em cada dez gestores municipais consideram seus municípios preparados para eventos climáticos extremos. Mais de 90% dos que relatam não estar preparados afirmam que o motivo é a falta de recursos financeiros. Além disso, menos de 50% receberam alguma capacitação sobre mudanças climáticas.
No sul de Minas Gerais, seis municípios formalizaram, em 2024, o Consórcio Ambiental Altos da Mantiqueira, para tratar de questões relacionadas ao meio ambiente. A proposta é promover a cooperação para facilitar soluções — como realizar licitações via consórcio, evitando que cada prefeitura abra um processo — e o intercâmbio de experiências.
O consórcio se prepara para elaborar projetos e captar recursos que viabilizem a implementação deles.
— Optamos por trabalhar a pauta de maneira exclusiva. Se municípios pequenos não se unirem, tudo se torna mais difícil — frisa o presidente Paulo Henrique Pinto Monteiro (PODE), que também é prefeito de Itanhandu, um dos municípios consorciados.
