'Muitos falam sobre a Amazônia sem nunca terem estado no território. Agora, o mundo terá a chance de testemunhar ', diz coordenadora da Oxfam Brasil sobre COP 30

 

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Nesta semana, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em parceria com a Casa Civil da Presidência da República, divulgou a programação completa dos Pavilhões Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que será realizada em Belém entre 10 e 21 de novembro deste ano. Enquanto se preparam para o megaevento, representantes de organizações da sociedade civil brasileira envolvidas com a questão ambiental e climática revelaram ao EXTRA suas expectativas.

Naira Santa Rita Wayand de Almeida, Coordenadora de Justiça Climática e Amazônia da Oxfam–Brasil, ressalta um traço emblemático do encontro: será a primeira COP realizada em um país democrático, após três anos consecutivos em países marcados por forte lobby do petróleo:

"Espero que isso abra espaço para uma participação social significativa de organizações e da sociedade civil", comenta.

Naira reforçou ainda que espera que a COP 30 avance na agenda de uma transição energética justa, garantindo que o abandono dos combustíveis fósseis seja equitativo, inclusivo e beneficie trabalhadores e comunidades:

"Acredito que a COP30 será um ponto de inflexão para a ambição climática global: será a primeira COP após o Balanço Global, e espera-se que os países apresentem NDCs mais ambiciosas, alinhadas à meta de 1,5°C. Minha expectativa é que avancemos concretamente nos principais objetivos do financiamento climático, garantindo que os recursos sejam públicos, suficientes e direcionados ao Sul Global e aos países que menos contribuíram para a crise climática, bem como na adaptação e nos mecanismos para lidar com perdas e danos, não apenas em compromissos, mas também por meio de caminhos confiáveis ​​para sua implementação".

Para Naira, o fato de o Brasil sediar o evento tem uma importância enorme, tanto política quanto simbólica, já que o país é, ao mesmo tempo, um dos mais vulneráveis ​​aos impactos climáticos e um dos mais estratégicos em termos de soluções, especialmente por causa da Amazônia.

"Sediar a COP30 na Amazônia coloca a linha de frente da crise no centro das negociações. É também uma oportunidade histórica: muitos falam sobre a Amazônia sem nunca terem estado no território. Agora, o mundo inteiro terá a chance de testemunhar de perto sua realidade, seus povos múltiplos e diversos e seu vasto potencial. Isso deixa claro que a agenda climática não é abstrata, mas profundamente conectada a territórios, povos e justiça climática".

A coordenadora de Justiça Climática e Amazônia da Oxfam–Brasil falou ainda sobre as expectativas relacionadas a outro evento que também ocorrerá em novembro: O One Young World (OYW), que acontecerá em Munique, na Alemanha, nos dias 26 e 27. O evento reúne jovens líderes de mais de 190 países e mais de 250 organizações, em diálogos para acelerar o impacto social em múltiplas frentes, inclusive a ambiental.

"Espero que o evento (OYW) continue a promover a agenda de justiça climática, com foco nos povos e territórios da linha de frente, como comunidades negras, indígenas, quilombolas e caiçaras, bem como mulheres, crianças e populações em situação de vulnerabilidade social sistêmica. Espero também que mantenha uma abordagem antirracista de justiça climática, fundamental para enfrentar as desigualdades que a crise climática aprofunda", comenta.

Segundo Naira, o One Young World é um espaço poderoso que reúne líderes de diferentes partes do mundo, todos comprometidos em gerar impacto social, ambiental e climático positivo. É uma arena para fortalecer alianças e construir uma visão compartilhada para o presente e o futuro:

"Minha expectativa é que o encontro seja um momento para criar pontes globais para a ação climática, para que possamos, de fato, avançar em direção à implementação de soluções concretas, em diálogo com a COP30. O desafio mais urgente é a intersecção entre o colapso climático e a desigualdade social. A crise climática já se traduz em violações de direitos humanos: deslocamento forçado, insegurança alimentar, impactos na saúde e perda de meios de subsistência, que recaem desproporcionalmente sobre populações historicamente marginalizadas".

Naira é professora, pesquisadora, ativista, Embaixadora do One Young World e fundadora do Instituto DuClima, e tem trabalhado em múltiplas frentes: produzindo conhecimento acessível e democrático, engajando-se em participação política qualificada na formulação de políticas públicas, incluindo o primeiro projeto de lei sobre deslocamento climático no Brasil (Projeto de Lei 1.594/2024) — e defendendo abordagens centradas na justiça. Ela é representante da Oxfam International, uma confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 90 países na busca de soluções para o problema da pobreza, desigualdade e da injustiça, por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais:

"Meu trabalho busca garantir que a ação climática vá além da redução de emissões e seja, acima de tudo, sobre proteger pessoas, garantir direitos e promover justiça social e climática".

Rodrigo Uemura, Presidente da Litro de Luz – Brasil, espera que a COP 30 seja um ponto de inflexão para acelerar ações climáticas concretas, especialmente porque ocorrerá na Amazônia, um símbolo tanto dos desafios quanto das soluções climáticas. A Litro de Luz é uma iniciativa global, que busca levar iluminação acessível e sustentável para comunidades de baixa renda, que não possuem acesso à eletricidade.

"O Brasil estará em destaque global, posicionado como líder na condução de negociações e mostrando como um país rico em recursos naturais pode equilibrar desenvolvimento com preservação ambiental. Os principais avanços esperados são compromissos mais fortes para limitar o aquecimento global a 1,5°C, aumento do financiamento para adaptação climática e perdas e danos, maior inclusão de comunidades da linha de frente e povos indígenas na tomada de decisões e a adoção de caminhos práticos para uma transição energética justa", resume.

Para Uemura, os debates mais intensos na COP 30 provavelmente se concentrarão no financiamento climático, particularmente em quanto as nações desenvolvidas estão realmente dispostas a contribuir e como esses recursos serão direcionados aos países mais vulneráveis ​​aos impactos climáticos. O ritmo e a justiça da transição energética global também gerarão contradições, visto que há urgência em reduzir a dependência de combustíveis fósseis, enquanto muitas economias ainda dependem fortemente deles para crescimento e estabilidade. O desmatamento na Amazônia será outro ponto central, segundo Uemura, refletindo a tensão entre responsabilidade global e soberania nacional.

"Por fim, apesar de a COP 30 em Belém destacar a inclusão ao trazer quilombolas, povos indígenas e comunidades ribeirinhas da Amazônia para o debate, uma grande contradição reside no fato de que esses grupos são frequentemente reconhecidos simbolicamente, mas não envolvidos de forma significativa na tomada de decisões", lembra.

Uemura concorda que é altamente significativo que a COP 30 seja sediada no Brasil, visto que o país está no centro da agenda climática global, com a Amazônia desempenhando um papel decisivo na regulação do clima do planeta.

"A realização da conferência em Belém não apenas destaca a responsabilidade do Brasil de liderar pelo exemplo na proteção de suas florestas e biodiversidade, mas também coloca as vozes das comunidades locais e tradicionais mais perto do centro das discussões globais. Simbolicamente, sinaliza uma mudança em direção ao reconhecimento do Sul Global como um ator-chave na governança climática, enquanto, na prática, pressiona o Brasil a demonstrar progressos concretos na redução do desmatamento, promovendo uma transição energética justa e se posicionando como uma ponte entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento".

Rodrigo Uemura estará presente também no OYW deste ano e pretende dar maior visibilidade à importância de uma transição energética justa durante o evento.

"Além de focar em como aumentaremos o uso de energia renovável e reduziremos os combustíveis fósseis, devemos considerar como garantir que essa transição promova o desenvolvimento dos mais afetados pela emergência climática, as comunidades vulneráveis. Para ilustrar isso, destacarei o trabalho que a Litro de Luz vem realizando em parceria com empresas como a Audi, onde capacitamos membros da comunidade para construir soluções de iluminação solar na Amazônia. Minha expectativa para o evento não é apenas conscientizar sobre a urgência de uma transição energética justa na OYW, mas também conectar-me com mais parceiros que possam apoiar nossa causa".

Para Uemura, muma perspectiva global, o desafio ambiental mais urgente é enfrentar a crise climática, garantindo simultaneamente que as soluções sejam inclusivas e equitativas:

"A urgência de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa é inegável, mas a transição também deve abordar as desigualdades sociais, visto que as comunidades vulneráveis ​​são frequentemente as mais impactadas, mas também as menos apoiadas. Através do meu trabalho na Litro de Luz, contribuímos implementando soluções de iluminação descentralizadas baseadas em energia solar na Amazónia e noutras regiões menos favorecidas do Brasil, capacitando as comunidades locais com energia limpa, ao mesmo tempo que desenvolvemos capacidade e apropriação. Esta abordagem não só mitiga as emissões, substituindo alternativas energéticas de origem fóssil, como também garante que a transição energética crie oportunidades de desenvolvimento social e económico onde este é mais necessário".