
Moradores de área nobre de SP seguem sem luz após temporal de segunda-feira: 'não consigo fazer nada'

Quase três dias depois do vendaval que atingiu a Região Metropolitana de São Paulo, na segunda-feira (22), moradores e comerciantes de áreas nobres da capital paulista como a Zona Oeste e Higienópolis seguiam sem energia elétrica no fim da tarde de ontem (24).
Era o caso do economista Fernando Sampaio, de 60 anos, residente do bairro do Sumaré, que tem ido para as casas dos filhos para poder trabalhar e tomar banho.
— Não consigo fazer nada sem energia. Se eu ficasse em casa, já estaria sem trabalhar há três dias… Pelo menos meus filhos moram perto e seguem com luz, foram poupados — diz.
Na visita do GLOBO, a equipe de uma empresa terceirizada da Enel ainda trabalhava na retirada de uma árvore atravessada na Rua Poconé. O economista e a esposa também precisaram comprar sacos de gelo para manter a comida conservada na geladeira. Não houve nenhuma perda considerável ou estrago na casa. O maior receio tem sido em relação à segurança na rua.
— A nossa sorte é que essas noites foram claras, porque poderia ter sido bastante perigoso. Já é mais perigoso do que o normal, é claro, quanto mais escuro pior — divide ele.
De acordo com a Enel, 4 mil imóveis seguiam sem luz ontem (24) na Região Metropolitana de São Paulo. Após o vendaval de segunda-feira, quase meio milhão de endereços chegaram a ficar sem energia.
Em Higienópolis, área nobre da região Central, o receio em relação à segurança também mobilizou os moradores de um casarão que funciona como residência coletiva. Com a queda do muro que separa o terreno da casa ao lado, parte dos 16 residentes procurou por outros lugares para dormir enquanto a luz não retorna.
— Saímos também por medo de que a chuva forte aconteça de novo. Tivemos que buscar abrigo, carregar os celulares e tomar banhos quentes. Durante o dia voltamos (para o casarão) para continuar arrumando tudo. Muitos dos moradores não são de São Paulo, então não têm famílias, amigos ou uma rede de apoio… Tem sido difícil pensar em toda essa logístic.— conta Pedro Júlio, ator e designer de 30 anos, morador do endereço há um ano e meio.
Residentes da moradia comunitária, Valberto Alves, Pedro Júlio e Malu Pipa recorreram às casas de amigos para dormirem com maior tranquilidade
Edilson Dantas/O GLOBO
Ele conta que partes de duas árvores da rua caíram no terreno, além de telhas e cadeiras que voaram com o vendaval. Na madrugada de terça-feira, o locatário chegou a contratar um vigia. Pedro estava no endereço durante a chuva e lembra do susto.
— Em poucos minutos todo mundo estava berrando. Os postes explodiram e até caixa d’água saiu voando com o vento. A água chegou a entrar em outras casas, então saímos para ajudar. A Enel começou a tentar resolver a falta de energia elétrica apenas na quarta à tarde. A atuação aqui foi primeiro na poda das árvores que caíram e na retirada dos entulhos — conta.
‘Se chove, falta energia’
A poucos metros do casarão, Fernando Rodrigues, de 59 anos, andava pela rua para ver em que pé estava o trabalho da Enel. Dono de uma importadora de vinhos cuja sede fica na Rua Minas Gerais, sua expectativa era que a equipe logo fosse para a outra via, também sem luz desde o temporal.
— Estou aqui há dez anos e é fatal: se chove, falta energia. Quando realizo algum evento, por exemplo, tenho que rezar para não acontecer nada no dia. Minha sorte é que os vinhos não precisam ser refrigerados, mas sem luz não consigo emitir nota fiscal e enviar a mercadoria pedida — diz.
Com um evento prestes a ser realizado no espaço, Rodrigues não sabia se deveria mantê-lo ou não.
— Os vizinhos chegaram a contratar um gerador, mas nem pensei em fazer o mesmo: o custo é muito alto, ganharia de um lado mas teria muito prejuízo de outro. Quantos jantares já fiz que a luz acabou no meio e precisei seguir com velas? Já perdi a vontade de realizá-los — divide.
Poucas ruas para baixo, na Itápolis, a energia elétrica voltou ao final da tarde de ontem no endereço que abriga a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o Instituto Conpizza e a BaresSP. O casarão teve janelas, telhas e portas quebradas. Dentro do terreno, uma árvore chegou a cair em cima de uma van, que teve perda total.
Durante a chuva, uma árvore do terreno caiu em cima de uma van e de outros carros
Edilson Dantas/O GLOBO
Munido de um gerador desde terça de manhã, o instituto pôde seguir com as aulas normalmente. Os gastos com o equipamento chegaram a quase R$ 3 mil. A turma de pizzaiolos, segundo Débora Dino, de 40 anos e assistente administrativa do espaço, é guiada por uma escola italiana.
— Alugamos o espaço para eles durante a semana inteira. São donos de estabelecimentos na Itália que fecharam seus comércios e se programaram para vir para cá. Tínhamos que dar um jeito do curso ocorrer. O dono do gerador já é um contato fixo, alugamos sempre que temos um evento, para não corrermos nenhum risco — conta.
Em nota, a Enel afirma que "técnicos da distribuidora seguem trabalhando para atender os clientes afetados pelas chuvas de segunda-feira e chamados de falta de energia ingressados posteriormente. Para agilizar o atendimento às ocorrências, a empresa reforçou antecipadamente as equipes em campo e chegou a mobilizar mais de 1.300 equipes ao longo do dia"..
O Procon Paulistano notificou a Enel para que ela explique as falhas no fornecimento de energia registradas na cidade. Já a gestão municipal disse, em nota, que a concessionária “não cumpre seus compromissos com a cidade”. “Prova disso são os episódios recentes de sucessivas interrupções no fornecimento de energia elétrica, acarretando prejuízos a famílias e a empresas e comerciantes que não conseguem produzir ou abrir suas portas aos clientes”, completou.
De acordo com a prefeitura, 253 árvores caíram em decorrência da ventania de segunda-feira. Destas, 214 já foram retiradas das ruas, enquanto outras 34 seguem em atendimento e cinco aguardam o desligamento da rede elétrica como medida de segurança.