Mineirinho relembra título mundial de surfe, dez anos atrás: 'Sabia que não teria outra chance. Era questão de vida ou morte'
Se Adriano de Souza, o Mineirinho, tivesse o poder de voltar no tempo, sem dúvidas escolheria a data mais especial de sua vida: 17 de dezembro de 2015. Há exatamente dez anos, em Pipeline, no Havaí, o capitão da Brazilian Storm superava a angústia e as noites mal dormidas para, enfim, conquistar o sonhado título mundial de surfe. Quis o destino que fosse justamente no ano da morte do amigo e big rider Ricardo dos Santos, o Ricardinho, seu fiel escudeiro. Ao GLOBO, o surfista paulista — hoje aos 38 anos, há quatro longe da elite como atleta, mas presente como técnico de Miguel Pupo — relembra o misto de sentimentos até a consagração.
Adriano de Souza sai carregado do mar de Pipeline ao conquistar o título de campeão mundial de surfe
Kirstin Scholtz / WSL / divulgação
O que passava pela sua cabeça antes do título?
Não dormi a temporada inteira. Foram várias noites de muita angústia e pressão. Sabia de todo o risco que estava correndo. Eu já tinha 28 anos, beirando os 29, então sabia que não tinha tanto potencial para ficar ali batendo de frente, com o crescimento tanto do Filipe (Toledo) quanto do Gabriel (Medina), bem mais jovens que eu. Por isso, essa temporada foi muito mais dolorosa para mim do que para qualquer outro atleta que estava disputando o título. Eu era praticamente o terceiro mais velho, mas os dois à minha frente já tinham títulos mundiais (o americano Kelly Slater e o australiano Mick Fanning).
Teve medo de bater na trave?
Não sentia falta de confiança, mas sabia que não teria outra chance de estar ali disputando, vivendo aquele momento. Era uma questão de vida ou morte.
Buscou ajuda psicológica para lidar com a pressão?
Não havia o que fazer. Não fazia parte do processo. Tive que conviver com as dores e tentei administrar o máximo que pude. Mas, de fato, era muita pressão e desafio. Já havia trabalhado bastante com outros profissionais, então carreguei apenas a experiência dentro de mim.
Quando caiu a ficha do quão especial aquele dia podia ser?
No dia da competição, eu me fechava e ficava 100% concentrado em performar. Era a única coisa em que pensava. Ficava muito atento ao que cada surfista estava fazendo e ao que poderia fazer. Não pensava no título nem em mais nada, apenas em performar e fazer o meu campeonato. Foi uma das minhas estratégias não ficar pensando nisso e não gastar energia à toa em lugares onde não poderia gastar.
Como foi disputar o título com Fanning e Medina (os três eram semifinalistas em Pipeline e tinham chance)?
Na verdade, fui o azarão entre os surfistas que estavam na disputa. Ninguém botava fichas em mim, mas tive um caminho muito mais livre do que os outros.
O quanto o primeiro título de Medina em 2014 te encorajou a vencer no ano seguinte?
Gabriel foi um divisor de águas para o surfe brasileiro. Quando se tornou campeão mundial, quebrou uma barreira que nenhum brasileiro havia superado. Abriu esse caminho e deixou espaço para que outros chegassem. Eu estava lá antes dele, mas a história do surfe é feita de barreiras a serem ultrapassadas, e aquela foi, sem dúvida, a maior. Ele foi o primeiro e acabou inspirando todos os que vieram depois, sendo referência até hoje.
Como foi a bateria que garantiu o título mundial?
Foi a mais tensa, ainda mais por ser uma semifinal (contra o havaiano Mason Ho). Quando você entra nessa fase, estão os quatro melhores do evento, então todo mundo ali é perigoso. Mas quem achar a melhor onda, se posicionar melhor e for merecedor, a onda vai vir. Esse era o meu pensamento desde o início. Eu ia lá para executar, estar presente e não desperdiçar oportunidades. Mantive esse raciocínio e essa mentalidade, e as coisas foram acontecendo, me dando confiança e mais combustível para acreditar.
O que sentiu quando acabou a bateria?
Foi um momento de alívio, de anos de trabalho buscando aquilo. Foram milhares de viagens, muito treino e dedicação, e ali chegou o momento do “sim”. É como lutar por algo e, no fim do processo, ser aceito. Igual a passar em um teste escolar do qual cinco mil participam e só dez entram. Cheguei ali, e a pessoa disse que eu tinha passado e fazia parte do clube de campeões.
E dedicou o título a Ricardinho assim que saiu da água...
Eu gostaria de ter homenageado em vida, queria muito fazer isso por ele, mas infelizmente ele não está presente aqui, apenas nos pensamentos. Sei que ele está em um lugar muito melhor do que nós. Foi o único surfista próximo que me disse para acreditar, que eu conseguiria (o título mundial). Em um ambiente competitivo, nenhum outro atleta diria isso para você. O Ricardo me marcou bastante porque era intenso, me fazia desafiar as dificuldades e colocar tudo em prática.
Depois do título, conseguiu dormir? Como acordou?
Como eu iria dormir (risos)? A única coisa de que lembro daquela noite é que tudo o que eu queria era uma noite de sono. Foi o único dia em que consegui dormir de fato. Eu me joguei na cama às 22h e acordei no dia seguinte por volta das 8h, enquanto nos outros dias acordava às 5h, sem despertador. Naquele dia, acordei no susto e pensei: “Nossa, o que aconteceu? Como é bom dormir. Caraca, que loucura”.
Qual é o sentimento ao rever sua trajetória até o título?
Todo clima de conquista faz você olhar para cima e pensar que alcançou tudo o que almejou. É o título máximo, não há para onde ir, você está no extremo. É como um cara que quer chegar ao topo do Everest. Quando chega, não há mais caminho, atingiu o limite. Foi uma dádiva de Deus. Muita gente trabalhou tão forte quanto eu ou até mais, mas não conquistou. São momentos em que a gente olha para trás e percebe o quanto é abençoado por ter sido escolhido por Deus.
