Metanol: bares de SP temem queda na venda de destilados e fazem 'corrida' nas redes para conter crise

 

Fonte:


As investigações para apurar a origem do metanol utilizado para adulterar bebidas alcoólicas no estado de São Paulo, causaram uma onda de intoxicações, mortes — e também de temor entre donos e frequentadores de bares. Enquanto o governo federal avalia se essa rede de distribuição atua em outros estados, estabelecimentos em São Paulo se dividem entre discrição total sobre os casos, notas públicas reafirmando a segurança e, em casos mais extremos, a suspensão temporária da venda de destilados.

Caso metanol: Unicamp alerta para risco de falta de antídotos para intoxicação

Mortes por metanol: "bares também são vítimas de criminosos", afirma associação

As manifestações refletem a gravidade da crise: cinco mortes foram confirmadas no estado, em um cenário com um número de intoxicações "elevado e inusitado", segundo o Ministério da Saúde. Diante do risco, a reação de estabelecimentos e entidades do setor de bares e restaurantes tem sido imediata, focada em segurança e comprovação de procedência.

O Clube Atlético São Paulo (SPAC), clube esportivo mais antigo de São Paulo, deliberou pela suspensão temporária da venda de destilados em suas dependências. Em nota, o clube esclareceu que não houve ocorrências registradas no local, mas que a medida foi adotada "em observância ao princípio da cautela" e em função da "gravidade da situação", até que as autoridades forneçam mais esclarecimentos.

Comunicado do SPAC

Reprodução

No setor de alimentação e vida noturna de São Paulo, a onda de intoxicações por metanol gerou um clima de temor. Alguns bares e casas noturnas procurados pelo GLOBO preferiram não se manifestar publicamente sobre o assunto e, em alguns casos, proibiram menções ligadas à crise.

Nos bastidores, os estabelecimentos demonstram preocupação geral com a segurança dos produtos e com o risco de perda de confiança dos consumidores. Apesar disso, a discrição de algumas empresas contrasta com a reação pública de grandes grupos e entidades que já se posicionaram publicamente, focados em segurança e comprovação de procedência para tranquilizar o público.

Autoridades de saúde de São Paulo realizaram ações de fiscalização e investigação em três bares e adegas suspeitas de vender bebidas adulteradas

Divulgação / Governo do Estado

O Grupo Alife Nino (Rainha, Princesa, Boa Praça, Ninno), por sua vez, reforçou publicamente seus protocolos rigorosos de segurança. A nota do grupo afirma que "todas as nossas bebidas alcoólicas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais homologados, sempre com nota fiscal, lacrados e com selo de autenticidade." O objetivo, segundo o comunicado, é garantir a tranquilidade dos clientes com "produtos de procedência garantida".

Ale Bussab, um dos sócios do Trinca Bar, um dos bares mais premiados da cidade, afirma que as notícias sobre a contaminação por metanol em bebidas alcoólicas assustam e evidenciam a necessidade de adotar processos rigorosos na hora de escolher os fornecedores.

— Com certeza assusta tanto clientes como bartenders. No caso do Trinca, gosto de falar que somos um bar de bairro, apesar da fama. Nossos frequentadores conhecem muito o bar e nossa filosofia, mas agora temos que trabalhar mais ainda para mostrar que qualidade é melhor que quantidade. E que bares de bartenders têm um cuidado e um carinho especial em rótulos e trabalho com álcool. Mas acredito que poderemos entender mais no decorrer — diz.

Ele conta que, entre os cuidados, estão desconfiar de ofertas de bebidas muito abaixo do valor do mercado, sempre exigir nota fiscal e também descartar as garrafas devidamente, para evitar que elas sejam utilizadas posteriormente para a falsificação.

O Bar Benê e o Bico do Corvo Bar expressaram "grande preocupação" e "indignação e repúdio" com a situação, respectivamente, enfatizando que todas as bebidas e insumos são adquiridos exclusivamente de fabricantes ou distribuidores oficiais, sempre acompanhados de nota fiscal, selo de autenticidade e rigoroso controle de qualidade.

O OH LÀ LÀ e o The Door Bar também reforçaram postura de transparência e responsabilidade, garantindo que seus produtos são comprados apenas de fornecedores oficiais, com procedência garantida e lacres intactos. O OH LÀ LÀ, inclusive, foi além, afirmando que está disponibilizando em sua unidade as Notas Fiscais de compra e declarações de fornecedores para comprovar a originalidade de cada rótulo e assegurar aos clientes que a experiência oferecida é autêntica e confiável.

Autoridades de saúde de São Paulo realizaram ações de fiscalização e investigação em três bares e adegas suspeitas de vender bebidas adulteradas

Divulgação/ Governo do Estado

Federação e associação de bares fazem apelo

A Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (Fhoresp) reforçou o apelo às autoridades para que intensifiquem o combate à falsificação. A entidade já havia alertado o mercado em abril sobre um levantamento que apontava que 36% das bebidas comercializadas no Brasil eram forjadas, adulteradas ou contrabandeadas.

O diretor-executivo da Fhoresp, Edson Pinto, lamentou que o problema, que antes era majoritariamente de sonegação fiscal, agora "está colocando também vidas em risco".

— A grande maioria dos negócios do ramo de bares e de restaurantes age de forma correta e também se torna vítima ao receber produtos adulterados de fornecedores. [...] Se as autoridades não agirem firmemente, este esquema, que agora está colocando também vidas em risco, não chega ao fim nunca — afirmou.

Já a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de SP (Abrasel SP) advertiu para o aumento dos riscos relacionados à falsificação, que atinge principalmente produtos de alto valor agregado, como uísques e destilados premium. Gabriel Pinheiro, diretor da Abrasel SP, destacou que a situação é uma "questão de saúde pública e de preservação da imagem do setor".

A Abrasel reforçou aos donos de bares a orientação que também vale para os consumidores: desconfie de ofertas com preços muito abaixo do mercado, que podem indicar adulteração. Além disso, a associação citou outros cuidados básicos para os empresários como emissão de nota fiscal, compra de distribuidores legalizados e inutilizar garrafas vazias para impedir que sejam reaproveitadas por falsificadores.

Entenda o caso

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), confirmou nesta terça-feira (30) a investigação de cinco mortes suspeitas por intoxicação com metanol — até então eram três casos. Ao todo, 22 ocorrências estão sendo apuradas pelas autoridades paulistas. Desde o início de 2025, foram registrados 14 casos suspeitos no estado de São Paulo., sendo dez deles registrados em setembro, o que reforça a hipótese de que as contaminações são recentes.

Tarcísio também anunciou a criação de um gabinete de crise e a interdição de todos os estabelecimentos que registraram casos suspeitos ou confirmados. Os casos de intoxicação também chamaram atenção do governo federal por serem considerados absolutamente "anormais".

Fachada da Adega Santos, na qual um cliente teria comprado um gin antes de ser internado por intoxicação com metanol

Reprodução / Google Maps

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que o país costuma registrar cerca de 20 casos de intoxicação por metanol por ano, mas que, "a partir de setembro, quase metade das notificações que costumam ter no ano foi concentrada apenas em São Paulo".

Os casos fatais de São Bernardo do Campo incluem um homem de 58 anos que morreu em 24 de setembro e foi atendido no Hospital de Urgência, outro homem de 45 anos que morreu em 28 de setembro e foi atendido na rede particular.

Há vítimas de intoxicação pela substância que estão internadas em estado grave, como é o caso de Rafael Martins, de 27 anos, morador da Zona Sul de São Paulo. Ele está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) há quase um mês, em coma, e perdeu a visão, e começou a passar mal após ingerir gin comprado em uma adega perto de sua casa.

A designer de interiores Radharani Domingos, de 43 anos, também está internada há dez dias em decorrência da ingestão de metanol, mas nesta segunda (29) deixou a UTI. Ela começou a apresentar sintomas da intoxicação um dia após ingerir três caipirinhas feitas com vodka em um bar nos Jardins. Ela também perdeu a visão.

A intoxicação por metanol é grave, com sintomas que incluem visão turva, náuseas e convulsões, podendo levar à morte. A vítima Radharani, por exemplo, relatou ter consumido caipirinhas com vodca em um bar, sem notar gosto estranho, mas acabou internada na UTI, onde perdeu a visão e teve convulsões.