Mensagem é ‘chegamos juntos, ou não chegamos’, diz secretário-geral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
Desde fevereiro, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) tem um novo secretário- geral, o colombiano Martin von Hildebrand, que vem acelerando os trabalhos para garantir que os países amazônicos alcancem posições na COP30. A OTCA, criada com base no Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), assinado em 1978, vinha de anos de paralisia por tensões entre seus membros. Com a chegada de von Hildebrand, que morou 50 anos na selva colombiana, a organização voltou a funcionar ativamente com a participação de seus oito membros: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O bloco, o único socioambiental dedicado exclusivamente à Amazônia, vai lançar em Belém um mecanismo próprio de financiamento. A seguir, os principais trechos da entrevista.
É possível que os países amazônicos cheguem à COP30 com uma posição comum e propostas comuns?
Temos muitos fundamentos para dizer que isso será possível. Nas últimas três décadas, os países amazônicos foram reconhecendo áreas protegidas, territórios indígenas. E, hoje em dia, já temos quase 50% da Amazônia sob alguma figura de proteção. Mais da metade desse total são terras de povos indígenas. Eles têm que estar na mesa de negociações e na tomada de decisões. Todos temos de evitar chegar ao chamado ponto de não retorno. Mas quando falamos em reduzir as emissões, no que diz respeito aos países amazônicos, estamos falando de 2% das emissões globais. Temos outros 98% que correspondem a outros países, aos mais desenvolvidos. Por isso, a Amazônia deve ser vista como algo integral, que todos queremos proteger.
E qual será a posição?
O que vamos dizer ao mundo é: senhoras e senhores, nós estamos trabalhando, temos projetos, acordos. Já existe uma base consolidada em Belém e Bogotá (sede da cúpula de presidentes dos países da OTCA, realizada em agosto passado): manter vivo o limite de 1,5 °C e avançar nos pilares de mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação. A Amazônia é um sistema integrado com o continente sul-americano e com o planeta. O 1,5 °C passa pela Amazônia; proteger a floresta é política climática global. Por isso, defendemos a importância da cooperação regional como base de uma ação climática mais consistente e ambiciosa.
Quais foram os resultados do encontro em Bogotá?
Belém e Bogotá marcaram um ponto de virada. Oferecemos uma direção política nítida: combinar esforços para uma agenda comum de desenvolvimento sustentável, conservação de biodiversidade, florestas e recursos hídricos, combate ao desmatamento e ação urgente para evitar o ponto de não retorno. Os presidentes e ministros dos países amazônicos também criaram o Mecanismo Amazônico de Povos Indígenas (MAPI) da OTCA, um espaço permanente de participação das organizações indígenas dos oito países, reconhecendo a importância de seu papel e de seus conhecimentos na proteção da floresta. Sem povos indígenas, não há floresta em pé. Sem floresta, não há 1,5 °C.
Como isso impactou no posicionamento da OTCA na COP30?
O MAPI reconhece e integra os sistemas de conhecimentos tradicionais à melhor ciência, orienta salvaguardas, prioriza soluções no território e fortalece a cooperação regional. Ao lado do Observatório Regional Amazônico (ORA) e das redes temáticas (Água, Florestas e Manejo Integral do Fogo), o MAPI nos oferece roteiro e governança para transformar compromisso em ação rumo à COP30. O risco de colapso tem dois motores: o desmatamento local e o aquecimento global. Por isso, a mensagem da Amazônia é inequívoca: ou chegamos juntos, ou não chegamos.
Que projetos e acordos serão destacados pela OTCA na COP?
Temos projetos sobre segurança regional, sobre mitigação e adaptação, sobre água, redes de fogo, redes de proteção de bosques. Temos resoluções muito claras sobre mitigação e adaptação, para ter uma administração sustentável dos bosques. Teremos um painel de cientistas, com plena participação de povos indígenas e das comunidades locais. Estamos trabalhando com todos, reconhecendo seus direitos e seus conhecimentos. Muitas vezes as pessoas acreditam que os indígenas são primitivos. Eu vivi 50 anos com eles, passei muito tempo com eles, defendi suas terras e seus direitos. Os indígenas têm um conhecimento que não é como o nosso. Eles têm outro sistema, dizem que a natureza é um grande conjunto, que todos juntos somos uma comunidade. Existe uma comunhão entre a natureza e as pessoas, também os animais. Essa relação íntima é importante, porque eles se comunicam com a natureza. Como não entendemos isso, dizemos que são primitivos. Existe muito preconceito.
O que o senhor aprendeu nos 50 anos que morou na selva?
Em geral, o que mais importa às pessoas é o desenvolvimento econômico, a riqueza. Usamos a natureza para aumentar essa riqueza, mas se colocamos no centro da vida a selva, a vida animal, também a vida humana, é diferente do que conhecemos. Eles, as pessoas com quem vivi, têm essa consciência. Eles vivem na selva sem fazer dano à ela. Tudo o que aprendi é importante para o momento em que estamos vivendo hoje. Voltando aos projetos dos países amazônicos, nossa ideia é chegar à mesa de negociações com uma visão muito forte do que estamos fazendo, mostrar como já estamos trabalhando juntos. A OTCA está conversando com todos os governos.
Inclusive com a Venezuela?
Sim, claro, com todos.
Que temas preocupam mais atualmente?
Os rios. Temos 22 bilhões de toneladas de água diária que sobem aos Andes, e depois descem, devolvendo a nossos países 17 bilhões de litros de água. Movemos 20% da água doce do mundo em nosso sistema. Mas, à medida que avança o desmatamento, isso afeta nossos rios. Temos mapas que mostram como a quantidade de água está diminuindo. O desafio é que estamos perdendo bosques e estamos perdendo água. E temos de ter a consciência de que tudo é um sistema. Se continuarmos assim, chegaremos ao ponto de não retorno.
O que sair da COP30 será decisivo para o mundo?
Não se trata tanto do que sair da COP30, mas do que vai acontecer depois da COP30. As grandes emissões de gases poluentes vêm do Norte, dos países mais desenvolvidos. E não temos muitas razões para ser otimistas sobre o Norte.
Um dos focos da COP30 será o financiamento a fundos de combate às mudanças climáticas. O senhor é pessimista?
Não é hora de pessimismo, e sim de persistência. Devemos assumir a responsabilidade pelas consequências dos atos que nos trouxeram até aqui. Há espaço para convergência quando unimos justiça climática e responsabilidade. É indispensável olhar de forma conjunta e articulada para a adaptação, além das medidas de mitigação. Assumir compromissos de mitigação, sem um compromisso equivalente com a adaptação, é construir apenas meia ponte. Precisamos acelerar a adaptação e fortalecer a cooperação para ampliar a escala e otimizar esforços. Na COP30, devemos avançar na definição de indicadores comuns e resultados verificáveis, especialmente para os mais vulneráveis. O relógio climático não aceita adiamentos.
Como a OTCA vê os fundos atuais, como o Fundo Amazônia e o Fundo Verde?
Nós vemos esses fundos como muito importantes. Sabemos que houve dificuldades, mas não estamos diretamente envolvidos em nenhum fundo. Vamos lançar um mecanismo financeiro. Vamos apresentá-lo e anunciá-lo na COP.
Algo a ver com o TFFF (sigla em inglês para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre)?
Há um TFFF voltado para três frentes, mas não estamos em nenhuma negociação, pois ele não existe formalmente ainda. Estamos montando nosso próprio mecanismo financeiro. Já temos o nome, o plano de trabalho e o suficiente para fazer o anúncio. Trata-se de um fundo bem menor, focado principalmente na região Amazônica.
Para o senhor, qual seria o resultado concreto esperado da COP30?
É fundamental que, como região, entendamos a necessidade de cooperar entre nós. Essa é uma tendência que muitos países já vêm considerando, sempre com respeito à autonomia e à soberania de cada um. Essa visão é essencial porque, se pensarmos em temas como segurança ou saúde, trata-se de problemas regionais. Temos mercúrio nos rios, e isso é um problema regional. Temos diversos desafios que atravessam fronteiras. Portanto, quanto mais avançarmos no fortalecimento da cooperação e na busca de financiamento para sustentá-la, melhor.
