'Linha de frente' das mudanças climáticas, prefeitos e governadores ganham protagonismo e pleiteiam espaço na COP30

 

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Apartados das negociações oficiais, mas na linha de frente tanto dos impactos quanto das soluções de adaptação das cidades frente às mudanças climáticas, representantes de municípios e governos subnacionais vêm aumentando seu protagonismo na COP30 e pleiteiam mais espaço. Em Belém, esses líderes locais reivindicam, principalmente, o reconhecimento oficial dos governos subnacionais como parceiros plenos, a criação de um espaço formal nas discussões com foco nas ações locais e o aumento do financiamento.

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Nessa segunda-feira (10), um documento de compromissos climáticos com 14 mil assinaturas de prefeitos e governadores de cidades e estados de diferentes países foi entregue ao secretário-geral da ONU, António Guterres, em uma chamada para a "COP da Implementação". 

No seu discurso de abertura, o presidente da conferência, André Corrêa do Lago, dedicou uma saudação especial aos governadores e prefeitos presentes:

— A presença de governadores e prefeitos é importantíssima, porque os entes subnacionais têm papel absolutamente essencial na implementação das decisões das COPs.

Procurada, a organização da COP30 não informou a quantidade de prefeitos e governadores presentes em Belém, mas os participantes confirmam que essa representatividade cresceu significativamente. A segunda maior delegação de prefeitos, depois do Brasil, é a dos Estados Unidos, com mais de 50 gestores municipais, o que demonstra a presença do país nas discussões, mesmo sem o presidente Donald Trump.

Para Mark Watts, diretor-executivo da C40 Cities, rede global de prefeitos das maiores cidades do mundo, que vem liderando essa campanha, o discurso do presidente da COP dá o tom de como o espaço vem sendo alcançado. Pela primeira vez, houve uma grande reunião oficial de líderes locais com a presença da presidência da COP, da ONU e de grandes empresas globais.

Mark Watts, diretor-executivo da C40 Cities

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— Os prefeitos são os implementadores. E, à medida que passamos das negociações para a implementação, os primeiros a agir têm de ser os prefeitos, porque são eles que administram os serviços que geram emissões — destaca Watts, afirmando que a agenda dos governos subnacionais é concreta. -- Nós viemos ao Brasil não para falar sobre promessas para daqui a 10 ou 20 anos, mas para apresentar um “compromisso anual de ação”, com passos concretos que serão tomados nos próximos 12 meses.  Nossa contribuição é para deslocar o foco das negociações intermináveis para ações reais, no presente.

Entre os compromissos anuais de cidades da C40 citados por Watts, estão a criação da zona de baixas emissões para melhorar a qualidade do ar no Rio, a construção de um parque eólico suficiente para abastecer 900 mil casas em Tóquio, e o projeto de Londres que reduziu em 60% os poluentes no ar a partir da cobrança de taxa pelo uso de automóveis particulares. Agora a capital inglesa mira a limpeza dos rios.

Além das ações para redução de emissões, Andy Deacon, diretor-executivo do Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia (GCoM), lembrou que prefeitos são os primeiros a lidarem com desastres climáticos, nas medidas emergenciais de socorro.

— E, mais importante, são os primeiros a construir planos para tornarem as cidades mais resilientes.  Eles estão literalmente na linha de frente — observou.

Painel no segundo dia de COP30

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O peso dessa agenda na COP ficou claro na semana passada, no Rio de Janeiro, quando a Cúpula Mundial de Prefeitos 2025 da C40, parte do Fórum de Líderes Locais organizado pela presidência da COP30 e a Bloomberg Philanthropies, reuniu quase 300 mandatários locais dos cinco continentes. Lá foi elaborado o documento entregue a António Guterres, que também declarou que a luta climática depende do esforço das cidades.

As demandas do documento foram divididas em três eixos principais: o reconhecimento oficial de cidades e governos subnacionais como parceiros plenos; a criação de um espaço dentro do processo, em que prefeitos e governadores sejam integrados nas metas de transição energética e redução de emissões; e acesso a mais recursos públicos e privados para as ações locais, já que os financiamentos climáticos normalmente só chegam aos governos federais. 

A prefeita de Freetown, capital da Serra Leoa, Yvonne Aki-Sawyerr OBE, também copresidente da C40, disse que a COP30 é a melhor oportunidade em uma década para o progresso climático, mas que os desafios são grandes.

— Nossas cidades estão crescendo; até 2050, a população urbana da África terá dobrado, e são cidades jovens: estima-se que 60% das pessoas vivendo em cidades terão menos de 18 anos em 2030. Esses jovens merecem viver em cidades limpas, seguras e prósperas, e isso só será possível se nossa geração agir agora. Para isso, precisamos de apoio, incluindo acesso a financiamento e reconhecimento nos mais altos níveis, começando na COP30 — afirmou

Mesmo sendo uma cidade pobre, Freetown tem um programa de reflorestamento urbano considerado de ponta. Nos últimos meses, as coalizões internacionais de cidades, com C40 e GCoM, vêm se reunindo com bancos multilaterais de desenvolvimento na missão de angariar mais recursos para obras de adaptação e resiliência climática.

A COP30 também vem reforçando a cooperação entre municípios. No sábado (8), a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o prefeito de Belém, Igor Normando (MDB), assinaram um acordo de cooperação, apoiado pelo Comitê Global de Prefeitos, com foco em projetos de regeneração e arborização urbana

Rede contra o negacionismo climático

Uma rede forte ainda ajuda no combate à desinformação climática, destaca Mark Watts:

— Os setores poluentes estão reagindo com força, tentando confundir a população e espalhar desinformação. Mas, quando prefeitos se unem e trocam experiências, eles ganham confiança para enfrentar essas campanhas.

Dentro da agenda doméstica, o empoderamento de cidades e estados na pauta climática faz parte do Plano Clima, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente, que reconhece o "federalismo climático" como parte fundamental do NDC do Brasil, explica  Walter de Simoni, gerente de Política Climática, Instituições e Direito do iCS. 

— Esse reconhecimento já foi um primeiro passo. Agora o Brasil precisa construir um sistema de governança que leve à cooperação dos programas estaduais que já existem. Os estados e municípios são fundamentais para que a ambição aumente. Esse protagonismo está aumentando, e agora os governos subnacionais estão aqui para ficar — afirmou.

Plano para o Nordeste

Além das ações locais, consórcios regionais são outra ponta importante na agenda. O BNDES, por exemplo, incentiva a formulação de consórcios intermunicipais e infraestrutura em rede para financiamento de projetos. Nessa terça (11), foi lançado oficialmente, na COP30, o Plano Brasil–Nordeste de Transformação Ecológica (PTE-NE), que traz medidas para impulsionar a economia verde na região, um projeto inédito, combinando desenvolvimento sustentável, inovação e inclusão social.

Rafael Fonteles, governador do Piauí (PT), defendeu o recorte regional para financiamentos climáticos.

— Planos costumam ser setoriais, mas ao longo do tempo as regiões mais desenvolvidas e ricas normalmente têm mais capacidade de usufruir dos financiamentos. Por isso, pressionamos muito por uma chamada de crédito específica para o Nordeste — explicou, em um painel na Zona Verde, o governador, complementando que os estados do Nordeste só tiveram acesso a 9,9% do crédito produtivo nacional no ano passado, mesmo representando 14% do PIB e 23% da população.