Letalidade policial e avanço de facções sob gestões do PT no Nordeste preocupam Lula, que busca 'vitrine' na segurança
Na tentativa de organizar um discurso na segurança pública antes das eleições de 2026, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) redobrou a atenção com estados sob gestões petistas na região Nordeste, que enfrentam índices crescentes de mortes por intervenção policial e o avanço de facções criminosas. Os principais focos de alerta são a Bahia e o Ceará, cujas dificuldades para conter a escalada de violência vêm sendo exploradas pela oposição a Lula. Em estados como Piauí e Rio Grande do Norte, o governo federal procura implementar ações que sirvam de vitrine para a campanha eleitoral.
O movimento do Palácio do Planalto é de estreitar a relação na área de segurança com estados governados por aliados, para evitar ruídos que possam gerar desgastes ao PT no ano que vem. Na Bahia, por exemplo, Lula fez questão de elogiar, na semana passada, uma operação da Polícia Civil estadual, com apoio da Polícia Federal (PF), voltada a “desarticular o núcleo armado e financeiro” do Comando Vermelho (CV). A ação, encerrada com 38 presos e um suspeito morto, ocorreu uma semana após a megaoperação do governo do Rio contra a mesma facção, que resultou em 121 mortos e 99 prisões.
A baixa letalidade da operação baiana, em contraste com o saldo no Rio, foi celebrada por aliados do governador Jerônimo Rodrigues (PT), em um momento no qual Lula criticava a gestão fluminense pelo que chamou de “matança” policial. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que a Bahia, desde 2022, lidera o ranking de número de mortes provocadas pela polícia, que vinha sendo encabeçado pelo Rio até então.
Nos últimos dias, Jerônimo tem procurado calibrar o discurso para evitar contradição com o presidente nesta seara, e defendido que “não é papel do Estado matar”.
— Sem abrir mão da atuação firme das polícias no combate às facções, temos intensificado operações no estado, com forças mais equipadas, articuladas entre si e com o governo federal. Os resultados estão aparecendo: as mortes violentas caíram em 2025, e tivemos reduções em roubos e ataques a banco — disse o governador ao GLOBO.
Infográfico mostra dados de segurança pública em estados do Nordeste sob gestão do PT
Editoria de Arte
Histórico de repressão
Para o sociólogo Antonio Lima, que pesquisa a evolução de facções criminosas na Bahia, o discurso contrasta com um estímulo à repressão policial desde o primeiro governo petista, de Jaques Wagner, em 2006, que fortaleceu uma série de grupamentos táticos da Polícia Militar. Já a gestão seguinte, de Rui Costa, foi iniciada com uma declaração em que o governador comparou policiais que atiram em suspeitos a “um artilheiro na cara do gol”. O pesquisador afirma que, diferentemente de operações com recordes de mortos como a do Rio, o cenário na Bahia, que persiste sob a gestão de Jerônimo, é de letalidade policial constante “no varejo”.
— O tempo de serviço de um policial militar costuma ser de 25 anos, e o PT governa a Bahia há duas décadas. Ou seja, praticamente todo o contingente atual da PM foi formado em governos petistas, que fizeram uma escolha consciente por um modelo ostensivo, de combate — afirma o sociólogo.
Já o secretário estadual de Segurança da Bahia, Marcelo Werner, argumenta que a violência nos estados do Nordeste é reflexo da migração de facções criminosas do Sudeste na última década, “que trouxeram um modus operandi de domínio do território”.
— A maior parte das mortes violentas está relacionada à atuação das facções, seja por conflitos com as forças de segurança ou entre si. Da nossa parte, estamos investindo em capacitar o policial para fazer uma repressão mais qualificada, e frisamos ao governo federal que a PEC da Segurança é importante para trazer esses recursos — afirmou Werner.
No Ceará, onde a letalidade policial está abaixo da média nacional, o governador Elmano de Freitas (PT) vem elogiando ações da Polícia Militar que terminam em mortes de suspeitos, na contramão do discurso de Jerônimo na Bahia. Na semana passada, Elmano defendeu que as forças de segurança “façam os confrontos que foram necessários” e frisou que “em um confronto entre policial e bandido, que morra o bandido”.
Apesar da menor letalidade policial, o estado apresenta, neste ano, a terceira maior taxa de mortes violentas— categoria que inclui homicídios e latrocínios — do país, atrás apenas de Bahia e Amapá.
— O político profissional, inclusive o de esquerda, entendeu que esse discurso de repressão ganha voto. Ele atende a um sentimento de urgência da pessoa que está sofrendo, por ser vítima da atuação de grupos armados, mas não resolve nada. A polícia faz as operações, desmonta os esquemas, e no dia seguinte as facções voltam a movimentar a mesma engrenagem — avalia o sociólogo Luiz Fábio Paiva, coordenador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará.
Procurado pela reportagem, o governo do Ceará não se manifestou. A busca por um discurso com apelo popular ocorre em meio a evidências de avanço de facções como o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC), com relatos recentes de expulsão de moradores em áreas da região metropolitana de Fortaleza por exigência das facções.
Também há casos de infiltração do crime organizado na política em municípios do interior cearense. Em Santa Quitéria, a Justiça Eleitoral cassou o ex-prefeito Braguinha (PSB) após constatar o apoio de uma facção à sua campanha. A investigação apontou que dois funcionários da prefeitura conduziram um carro do Ceará até a favela da Rocinha, no Rio, com R$ 1,5 milhão destinados a uma liderança do CV, como pagamento pelo apoio ao então prefeito.
Uma aposta do Palácio do Planalto para entregar resultados contra o avanço de facções vem sendo testada no Rio Grande do Norte, estado vizinho ao Ceará, sob gestão da petista Fátima Bezerra. O Ministério da Justiça iniciou no mês passado um projeto piloto de retomada de territórios, desenvolvido em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), numa comunidade de Natal que estava sob influência do CV. Além de prisões de suspeitos, o objetivo é levar serviços públicos, como iluminação e postos de saúde, na tentativa de evitar um retorno dos grupos criminosos.
Busca por alinhamento
Em outra frente, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, se reuniu na semana passada com secretários de Segurança dos estados que compõem o Consórcio Nordeste para afinar ações na área. O encontro terminou com uma declaração de apoio das gestões à PEC da Segurança, que já havia sido alvo de críticas anteriormente de governadores como Jerônimo Rodrigues, da Bahia, por suposto risco de “intromissão” nos estados.
Segundo os participantes do encontro, Lewandowski elogiou operações recentes de estados como Bahia e Piauí que foram voltadas à sustentação econômica das facções criminosas.
Uma delas, deflagrada pela gestão de Rafael Fonteles (PT) na semana passada, foi um desdobramento piauiense da Carbono Oculto, ação da PF que mirou esquemas de lavagem de dinheiro do PCC. A operação é tratada pelo Palácio do Planalto como um parâmetro a ser replicado nos estados.
