Kshamenk, a última orca em cativeiro da América do Sul, morre na Argentina
Kshamenk, a última orca vivendo em cativeiro na Argentina e em toda a América do Sul, morreu neste domingo (14). O animal passava seus dias em um pequeno tanque de concreto, onde viveu por 30 anos. Sua principal atividade física era nadar cerca de 500 voltas ao redor do tanque. A barbatana dorsal estava caída, como ocorre com tantas outras orcas mantidas em cativeiro.
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Na natureza, Kshamenk poderia ter percorrido até 200 quilômetros por dia. Esse golfinho gigante vivia fora do mar desde os cinco anos de idade, quando foi retirado da Baía de Samborombón e levado para o Mundo Marino. Ali, foi treinado para se apresentar ao público que lotava o aquário para vê-lo saltar da água, acenar, espirrar, pular e se mover ao som da música. Ele obedecia a todas as ordens dos treinadores e, como recompensa, recebia comida — peixes.
As orcas em cativeiro aprendem com notável facilidade. Esse gigante mamífero marinho possui uma inteligência proverbial — a mesma inteligência que, por anos, as condenou a viver no que equivale a uma pequena prisão, destinada ao entretenimento humano.
Cada grupo de orcas tem sua própria linguagem. Para citar apenas um exemplo, as orcas do norte e do sul não se compreendem entre si. Em aquários, elas frequentemente se atacam, não apenas por causa do estresse e da frustração do confinamento, mas também porque têm pouco em comum com membros de outros grupos de orcas.
As orcas da Patagônia são únicas. Elas desenvolveram um método de caça altamente sofisticado. Sabem quando nascem os filhotes de leões-marinhos e elefantes-marinhos e se aproximam da costa quando esse período chega. Conseguem encalhar porque aquela costa é singular, formada por rochas; caso contrário, não seriam capazes de dar meia-volta e retornar ao mar, ficando presas. Do oceano, e a partir da vibração das rochas, percebem quando filhotes mais rebeldes e desobedientes se aventuram a brincar nas ondas. É nesse momento que aproveitam para capturá-los. Durante o restante do ano, quando não há filhotes de leões-marinhos, as jovens orcas são treinadas pela matriarca a capturar feixes de algas marinhas, para que, quando a época de caça chegar, consigam encontrar alimento sozinhas — uma demonstração de mentalidade extremamente sofisticada.
O que leva, então, nós, seres humanos, admiradores desses seres sencientes, dotados de sentimentos e com papel fundamental na natureza, a nos arrogar o direito de lhes tirar a vida — a única coisa que possuem —, condenando-os às profundezas de um inferno artificial?
Ao longo da história, os humanos têm revisto costumes, ações, decretos e leis que hoje, com o passar do tempo, nos causam profunda vergonha. Tudo indica que faremos o mesmo em relação aos animais, mais cedo ou mais tarde. Para centenas de milhares — ou milhões — deles, porém, será tarde demais. Talvez também para a própria humanidade, já que cada um desempenha um papel específico e essencial na Terra. A visibilidade e a conectividade a que estamos expostos atualmente, somadas ao trabalho de organizações e indivíduos dedicados à proteção animal, têm melhorado as condições de alguns deles. Como consequência, o conhecimento gerou maior empatia, sobretudo entre os jovens. Hoje sabemos que os animais sentem dor, têm vidas emocionais e afetivas e são capazes de se projetar no futuro. Com esse entendimento, nossa postura ética em relação a eles vem, gradualmente, se tornando mais consciente.
Neste ano, muitos argentinos acompanharam com entusiasmo a jornada dos elefantes Pupy e Kenya rumo a um santuário onde poderiam ter uma vida mais próxima daquela que sempre deveriam ter tido. A transferência os libertou do pequeno recinto onde viveram por anos — assim como Kshamenk —, girando em círculos, ferindo-se, submetidos ao estresse e à frustração, com as presas machucadas pelo desespero, levando uma existência oposta àquela para a qual foram criados, com o único objetivo de “nos entreter”.
A emoção coletiva provocada pela partida dos elefantes, esses gigantes da Terra, para um lugar melhor, mostra que estamos mudando como sociedade e que nossa moralidade começa a se estender também a eles.
Ao longo de ontem, a palavra “perdão” se repetiu sob cada imagem desse gigante do mar privado de sua liberdade: a liberdade de escolher seu rumo, de se expressar, de percorrer a imensidão do oceano sem limites e de se comunicar, em sua própria língua, com outros de sua espécie. Perdão, Kshamenk.
Meus sinceros agradecimentos ao naturalista e fotógrafo de orcas Jorge Cazenave.
