
Jovem groenlandesa perde bebê para o Estado dinamarquês logo após o parto e caso gera polêmica; entenda

Ivana Bronlund é uma mãe sem filha.
Uma hora depois do parto, em uma pequena cidade da Dinamarca, o governo levou o bebê recém-nascido.
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Ela continua a extrair o leite, que é recolhido e entregue à criança. Pelas grandes janelas quadradas de seu prédio, Ivana imagina constantemente estar com a filha nos braços novamente.
“Eu só queria ter tido a chance de provar que posso ser mãe”, disse.
A jovem tem 18 anos e cresceu em um lar marcado por abusos. Por isso, foi submetida pelas autoridades a um extenso teste de competência parental, criado para proteger crianças, mas criticado por impor uma severa intromissão na vida familiar.
Além disso, Bronlund é groenlandesa. Há anos, famílias oriundas da Groenlândia reclamam que os testes são injustos. Um estudo recente mostrou que crianças groenlandesas nascidas na Dinamarca têm cinco vezes mais chances de serem retiradas dos pais do que outras no país.
A Dinamarca, que mantém a Groenlândia como território ultramarino, tentou amenizar a questão. No início deste ano, quando Bronlund estava grávida, o Parlamento aprovou mudanças na aplicação dos testes de parentalidade para famílias groenlandesas. Mas, por razões ainda não esclarecidas, ela não foi incluída na nova política — o que as autoridades locais classificaram como um “erro”. Uma audiência de apelação está marcada para terça-feira.
O esforço da jovem para reaver a filha mobilizou apoiadores e gerou protestos, tornando-se novo ponto de tensão no histórico e delicado relacionamento entre Dinamarca e Groenlândia.
Herança de abusos e reparações históricas
O caso ocorre em um momento sensível para a Groenlândia, ilha estratégica entre os oceanos Atlântico Norte e Ártico. O ex-presidente Donald Trump chegou a declarar interesse em “conquistar” o território, que considera crucial para a segurança dos Estados Unidos.
A Dinamarca, por sua vez, tem buscado reforçar os laços com os groenlandeses, atendendo antigas reivindicações. Entre elas, a mudança nos testes de competência parental — conhecidos pelo termo dinamarquês Forældrekompetenceundersøgelse — e o reconhecimento de abusos históricos.
Na semana passada, pesquisadores dinamarqueses e groenlandeses divulgaram um relatório de 347 páginas sobre a campanha estatal que, por décadas, impôs contraceptivos a mulheres e meninas groenlandesas, algumas com apenas 12 anos, sem que muitas soubessem o que estava acontecendo. O primeiro-ministro chegou a oferecer um pedido formal de desculpas.
Ativistas afirmam que o drama de Bronlund mostra como injustiças seguem se repetindo, especialmente contra mulheres da Groenlândia.
“A história está simplesmente se repetindo”, disse Najannguaq Hegelund, vice-presidente da Sila 360, organização indígena sediada na Dinamarca. Ela chamou o caso de “destroços coloniais”, reflexo de um estereótipo persistente de que os groenlandeses seriam incapazes de cuidar dos próprios filhos.
Testes questionados e falhas na aplicação da lei
A trajetória da jovem se tornou turbulenta ainda em dezembro, quando descobriu a gravidez, aos 17 anos. “Vi um coraçãozinho batendo no exame — foi incrível”, contou. A ideia de aborto não lhe pareceu viável: “Eu não suportava a ideia de matar o feto. Então decidi ficar com ele”.
Segundo documentos compartilhados com o New York Times, o Comitê de Crianças e Jovens de seu município, a oeste de Copenhague, abriu uma investigação em janeiro. Ivana passou por entrevistas com psicólogos, reuniões com assistentes sociais, avaliações padronizadas e testes de QI, nos quais sempre teve dificuldades.
As autoridades locais se recusaram a comentar o caso, alegando questões de privacidade.
Bronlund nasceu na Groenlândia, mas foi adotada ainda criança por um casal dinamarquês. Abandonou a escola na sétima série, trabalhou como babá e chegou a jogar na seleção juvenil de handebol da Groenlândia. Na infância, foi vítima de abuso sexual pelo pai biológico, condenado e preso.
Documentos oficiais afirmam que ela foi avaliada “como qualquer dinamarquesa”, pois teria sido criada dentro da língua e da cultura do país.
Em maio, quando estava no sexto mês de gestação, entrou em vigor a nova lei que proíbe o uso de testes padronizados em famílias groenlandesas, substituídos por triagens culturalmente adaptadas. Isso, porém, não ocorreu em seu caso.
Em junho, Bronlund foi chamada a uma reunião com um psicólogo, que recomendou que o bebê fosse retirado dela logo após o parto. “Ela disse que eu não podia dar o que a criança precisava e que não estava pronta para ser mãe”, contou.
O parecer oficial alegou que a jovem não teria condições de garantir o desenvolvimento da filha e precisaria de “amplo apoio psiquiátrico e social” — conclusão que familiares consideram injusta, por se basear em traumas de abuso sexual sofridos na infância.
Ativistas locais organizaram protestos em apoio à jovem. “Ela não bebe, não fuma, nada. E está lutando pelo bebê. Não é isso que uma boa mãe faz?”, questionou Maria Rubin Nicolajsen, voluntária que acompanha a comunidade.
Atualmente, Bronlund tem direito a duas horas de visita com a filha a cada duas semanas. A bebê recebeu o nome de Aviaja-Luuna. Enquanto aguarda a decisão do recurso, ela segue extraindo leite, inclusive de madrugada, para garantir que a filha continue sendo alimentada.
A ministra de Assuntos Sociais e Habitação, Sophie Hæstorp Andersen, reconheceu publicamente que “um erro grave foi cometido”. Documentos oficiais também admitem que as autoridades aplicaram um teste psicológico que “não estava de acordo” com a nova política. Apesar disso, insistem que haveria “base suficiente” para manter o bebê em um lar adotivo temporário.
Se perder o recurso, Bronlund não terá como manter a filha na família. “Foi o melhor momento da minha vida”, disse, ao lembrar da hora que teve com o bebê no parto. “Eu a abracei, sussurrei que a amava mais do que tudo na Terra e que lutaria por ela todos os dias”.