João Gomes lascou mesmo o coração do Brasil; o matuto não para de causar e fez o país debater até arquitetura

 

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A gente admira a beleza de uma obra, mas precisa lembrar a importância que tem o seu alicerce. Neste 2025 prestes a acabar, quem ainda não conhecia João Gomes provavelmente ouviu falar dele. O músico pernambucano de apenas 23 anos já colecionava fãs há alguns anos, mas foi abraçado por novos públicos. É elogiado pela crítica especializada e virou queridinho, inclusive, nos grandes centros. Gravou DVD com plateia gigante em plena Lapa, no Rio, e foi anunciado como atração do réveillon de Copacabana. Mais uma prova de todo esse reconhecimento veio na última semana, no prêmio Multishow. O jovem saiu consagrado com quatro troféus, incluindo o de artista do ano. Em um de seus discursos de agradecimento, citou a mulher, que “faz dele um cara melhor todo dia’’. Invariavelmente, em entrevistas, ele também exalta seus filhos, sua família e seu lar. É impossível determinar até onde João Gomes vai. Mas fica claro para onde ele sempre quer voltar: sua casa, suas origens. O segredo da construção está aí: o cantor solidifica a própria trajetória, mantendo, com cuidado, as bases que o sustentam.

Se bobear, e se tivesse tempo e conhecimento para tal, o menino de Petrolina conseguiria até construir a casa que sonha no condomínio Alphaville, no Recife. Inacreditavelmente, João contou há pouco tempo num podcast que comprou dois terrenos no local, mas os arquitetos se negaram a desenvolver o projeto como ele desejava, remetendo às grandes casas do sertão, com alpendres. Propuseram a mesmice das mansões encaixotadas e quadradas, vistas como “mais modernas’’, como relatou. O episódio ilustra bem uma realidade da elite brasileira: a disposição em reproduzir modelos importados e sem identidade. O que vale pra tudo: da casa onde se mora à bolsa que se carrega. Um deslumbre cego que impede de enxergar os nossos diferenciais, a nossa originalidade, o que nos faz únicos e pode nos colocar em posição de destaque frente ao mundo.

Um artista gigante em personalidade como João Gomes, por exemplo. O que seria mais moderno que ele? O cara impressiona pelo vozeirão, aparentemente destoante de seu corpo miúdo. Quando o vi cantar pela primeira vez, levei um susto. Parecia que aquela potência toda nem cabia naquele garoto. Mas é só observá-lo para além do primeiro acorde para entender a sua grandeza. João Gomes é sábio original de fábrica. Sempre soube valorizar os ensinamentos genuínos passados pela avó; já ouvia ‘’forasteiros’’ do passado, como Belchior; lia as obras de Machado de Assis... Suas escolhas certeiras na vida transparecem nas suas escolhas profissionais e o moldam como artista.

Aí não tem jeito: a cultura dominante do Sul e do Sudeste, que não poucas vezes mantém os olhos meio fechados e os ouvidos parcialmente tapados ao que ecoa nos outros tantos cantos do Brasil, tira o chapéu para o músico do chapéu de couro. O João Gomes da vaquejada. O João Gomes do piseiro. E dos pés no chão, justamente esses que o levam longe.

O menino-homem que ganha a merecida validação de todo um país, mas que na verdade sempre soube de seu real valor. E de seus valores. Por isso foi capaz de alcançar tanto. O matuto lascou o coração de todo mundo!

Talvez seja esse o grande encanto: João não se perde. Segue adiante com a humildade e a coragem dos que conhecem o próprio chão.

Gabriela Germano é editora-assistente e atua na área de cultura e entretenimento desde 2002. É pós-graduada em Jornalismo Cultural pela Uerj e graduada pela Unesp. Sugestões de temas e opiniões são bem-vindas. Instagram: @gabigermano E-mail: gabriela.germano@extra.inf.br