
Iogurte com formigas? Tradição búlgara inspira pesquisa que explica como formigas podem agir como fermento

Clientes do restaurante Alchemist, em Copenhague, já estão acostumados ao inusitado. A casa, considerada o quinto melhor restaurante do mundo, serve pratos como pombo envelhecido em cera de abelha e cérebros de cordeiro servidos em crânios branqueados de cordeiro, com larvas torradas como guarnição. Por isso, quando a microbiologista dinamarquesa Leonie Jahn soube que os chefs estavam testando uma antiga receita búlgara de iogurte, não se espantou — mas ficou curiosa.
Eles estavam colocando formigas no leite.
— Pensei: “OK, isso parece interessante” — contou a pesquisadora, que é professora da Universidade Técnica da Dinamarca.
O iogurte tradicional é feito com um fermento inicial de bactérias vivas, que transforma o leite em uma massa cremosa e azeda. Mas no caso do iogurte com formigas, qual seria o segredo?
— O que as formigas estão fazendo? — perguntou a cientista. — É a acidez? São os micróbios?
Essas dúvidas resultaram em um estudo publicado na revista iScience, que levou ao “sacrifício” de muitas formigas em nome da ciência. Jahn buscou outros pesquisadores interessados e chegou até Sevgi Mutlu Sirakova, antropóloga e doutoranda da University College London. Nascida em Nova Mahala, uma pequena vila nas montanhas da Bulgária, Mutlu Sirakova cresceu em meio a tradições ligadas a laticínios fermentados.
— O iogurte é um alimento básico na nossa vila porque cada família tinha suas próprias vacas — explicou. Durante seu mestrado, ela entrevistou moradores mais velhos sobre as receitas antigas, que incluíam chuva da primavera e raízes de plantas como ingredientes. Até que sua avó revelou: — Você sabia que eu costumava usar formigas?
Um pote de iogurte experimental feito com uma receita tradicional búlgara
David Zilber
Intrigados, os cientistas viajaram até a aldeia para tentar recriar a receita original. O tio de Mutlu Sirakova ensinou o processo: colocar quatro formigas vermelhas da floresta em um recipiente com leite morno, enterrá-lo no formigueiro e deixá-lo lá durante a noite.
Na manhã seguinte, retiraram os insetos do líquido parcialmente coagulado e provaram. O resultado, segundo o artigo, foi um iogurte levemente ácido, com notas herbáceas e sabor marcante de gordura de pasto.
De volta ao laboratório, Jahn e sua equipe testaram a técnica com uma espécie similar de formiga encontrada na Dinamarca e analisaram quimicamente a fermentação. Descobriram que as formigas liberam diversos ácidos e enzimas que juntos provocam a coagulação do leite: ácido fórmico, produzido como defesa natural do inseto, e também ácidos lático e acético gerados por bactérias presentes em seu intestino. Depois que o processo começa, mais iogurte pode ser feito apenas adicionando leite novo — sem precisar de mais formigas.
— É uma sequência de eventos que não se parece com nenhum outro processo de fermentação de laticínios que já vi — disse Paul Kindstedt, professor emérito da Universidade de Vermont e especialista em história do queijo, que não participou do estudo.
Para Mutlu Sirakova, a pesquisa ajuda a preservar uma tradição quase esquecida da sua comunidade, além de abrir caminhos para potenciais benefícios à saúde.
O iogurte contém bactérias vivas que auxiliam na digestão e fortalecem o sistema imunológico. Diferentes agentes de fermentação podem gerar microrganismos variados, que não fazem parte das dietas modernas e industrializadas. — É muito importante manter essa diversidade viva — disse. — Mesmo que ela venha das formigas.
Apesar do fascínio científico, especialistas alertam que o iogurte de formiga dificilmente chegará às prateleiras do supermercado: formigas podem carregar parasitas nocivos à saúde humana.
— Não pense: “Vou sair para pegar umas formigas e fazer meu iogurte” — alertou Kindstedt.