Infância On/Off #3 | Educação | Com precaução, telas podem ensinar
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Lunna, de 6 anos, é filha de um casal de professores. Por isso, quando quis uma tela, a mãe ofereceu um aplicativo educacional para ela se divertir. E a menina adorou.
— Era um complemento à escola para promover a prática da escrita. Ali ela trabalhava cores, o alfabeto, juntava sílabas — diz a mãe da menina, Maristela Luiz, de 31 anos.
Apps que incentivam as crianças a pensar, criar e resolver problemas podem reforçar habilidades como consciência fonológica, contagem e raciocínio. Também, de acordo com pesquisa recente da Ohio State University (EUA), estão relacionados a mais tempo de leitura em livros físicos, além de fazerem com que passem menos tempo em outros tipos de conteúdo digitais que podem ser nocivos.
Mas não dispensam cuidados.
— De repente, ela está brincando ali no celular, interagindo com o jogo educativo, e aparece um anúncio — diz a mãe, de Logradouro, na Paraíba.
Durante uma atividade e outra de alfabetização, Lunna acabava recebendo uma tela cheia de propagandas de unicórnios de pelúcia rosa, patins coloridos e outros brinquedos. Por isso, a mãe ficava do lado dela — como recomendam os especialistas.
Hoje, abordo em Infância ON/OFF como as telas podem ser aliadas da aprendizagem na primeira infância com as devidas precauções.
O que diz a ciência 🔬🧫
De 0 a 3 anos
Essa é a primeiríssima infância. A recomendação é de zero telas até 2 anos. Além disso, não há indícios de que mídias educacionais tenham qualquer benefício até os 3 anos. O que a criança precisa nesse momento é de conversa e contato com a natureza.
A CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, aconselha aos pais irem ensinando seus filhos dessa idade a reconhecer as partes do corpo, os bichos, as cores, as formas geométricas. Tudo ancorado na brincadeira. E ela alerta:
— A ausência de tela é para a criança e para o adulto que está com ela. Ele precisa se dedicar a ter essa interação, a estar presente — explica.
De 4 a 6 anos
Programas, aplicativos e jogos bem elaborados podem ajudar as crianças a desenvolver habilidades iniciais de leitura, matemática e resolução de problemas, além de apoiar a aprendizagem socioemocional. Só que isso precisa ser feito de forma planejada e com moderação.
A Rebecca Dore, diretora de pesquisa no Crane Center for Early Childhood Research and Policy, na Ohio State University, estuda esse tema e recomenda o seguinte:
— Essas ferramentas funcionam melhor quando os pais participam com elas e as crianças têm bastante tempo para brincar, conversar e ler fora das telas. O objetivo é usar as ferramentas digitais para complementar a aprendizagem prática, não substituí-la — diz.
A professora associada sênior da USP Maria Beatriz Linhares, que faz parte do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), também recomenda livros digitais interativos e jogos de memória como boas opções.
— Mas sempre precisa da mediação do adulto. A criança tem que ter conexão com o cuidador — recomenda.
O que você faria? 🤔
Seu filho de 5 anos já brincou, socializou, gastou energia e agora está pedindo para ver um pouco de TV. Você decide aproveitar esse momento para algo educativo. O que faz?
A) Conversa com ele sobre o conteúdo que estão vendo juntos.
B) Deixa ele quieto, concentrado, para absorver o conteúdo.
C) Nega. Afinal, nada de bom pode vir das telas.
O que o especialista faria? 🧐
Primeiro: se você não quer dar telas para o filho e puder oferecer outras experiências para ele neste momento, não tem problema. Nenhuma criança vai ser prejudicada caso não veja TV.
Mas o uso intencional e moderado pode contribuir para que a criança aprenda alguma coisa nova.
Uso intencional significa ter um propósito definido — neste caso, aprender algo novo com a ajuda da TV e dos pais. Não é dar a tela quando a criança faz birra.
Uso moderado significa equilíbrio. A criança precisa gastar energia, socializar, comer bem, dormir. E, se sobrar um tempinho para TV, não há problema algum.
— O tempo de tela pode favorecer o aprendizado ao ampliar o acesso a recursos e informações a que ela não tem acesso em casa — diz Catherine Birken, pediatra e pesquisadora na University of Toronto.
Desenhos animados e séries infantis, então, podem ser educativos dependendo do conteúdo — e mantendo todos os cuidados já mencionados. Rebecca Dore explica como identificá-los:
— As pesquisas mostram que, quando as mensagens educacionais estão integradas à narrativa, e não apresentadas como uma lição isolada, as crianças aprendem de forma mais eficaz e retêm o conteúdo por mais tempo — diz a especialista da Ohio State University.
Ela ainda aponta dois bons exemplos: “Esquadrão bizarro”, uma série de TV, e “Elinor, a curiosa”, um desenho animado.
— Eles integram habilidades de ciência, tecnologia e investigação em histórias divertidas — diz.
E aí, já decidiu a resposta que daria à pergunta que fiz? A opção correta seria a letra A.
A pesquisadora Sumudu Mallawaarachchi, da University of Wollongong (Austrália), lembra que, quando o tempo de tela se torna um momento compartilhado em família, é possível ter mais conversas sobre o que as crianças estão vendo, fazendo ou jogando.
— E nós, adultos, podemos ajudá-las a compreender aquele conteúdo. Podemos fazer perguntas como “por que você acha que ele fez isso?” e ajudá-las a relacionar com o mundo real: “Você já se sentiu assim?” — orienta a australiana.
Ajuda digital 👩💻
E tem espaço para as telas na creche? Para as crianças ficarem absortas, não. Lembrem: tudo tem a ver com o contexto do uso.
— Pode ser uma ótima oportunidade para desenvolver alfabetização digital, ajudando as crianças a aprender como usar dispositivos de maneira segura, produtiva e saudável à medida que crescem — diz Mallawaarachchi.
A professora, que faz parte do conselho australiano de pesquisadores do Centre of Excellence for the Digital Child, indica algumas atividades para esse espaço:
Incentivar o compartilhamento e a troca de vez ao usar o dispositivo;
Tirar fotos e criar uma história;
Assistir a um vídeo e depois desenhar ou pintar sobre ele.
Maria Beatriz Linhares ressalva que esses equipamentos não podem ficar disponíveis para as crianças o tempo todo, nem à vista deles.
O aplicativo abaixo pode ajudar sua rotina:
Kinedu - O aplicativo oferece aulas e brincadeiras com especialistas para crianças de 0 a 6 anos
Quer saber mais? 🤷🤷♀️
“O começo da vida” é um aclamado documentário que reflete sobre a primeira infância.
O Gloobinho de Ideias é uma série de YouTube com brincadeiras para você fazer com seu filho fora da tela.
"Show da Luna" é um desenho animado sobre uma menina de 6 anos que ama ciência e, em cada episódio, formula hipóteses e faz experimentos para descobrir algo novo.
