Infância ON/OFF #2 | Sono: TV antes de dormir atrapalha a criança em vez de acalmar
Este texto faz parte da newsletter Infância ON/OFF, sobre tecnologia e crianças de até 6 anos. Para receber a série no seu e-mail, clique aqui.
Você chega em casa no fim do dia, vê uma série na TV para relaxar, bate aquele sono e você vai dormir. Normal para um adulto, né? Se é assim com a gente, por que não funcionaria para as crianças se acalmarem antes de irem para a cama?
Veja o que aconteceu com a Helena, hoje com 3 anos.
— Ela começou a acordar muito à noite. Gritava dizendo que queria ver desenho — conta a mãe, Bárbara Gomes, de 33 anos, que logo se preocupou.
As crises de Helena surgiram num contexto semelhante ao de milhões de lares. Quando a menina tinha 1 ano e meio, Bárbara estava grávida da segunda filha e passou por um final de gestação difícil. O pai, representante comercial em Goiânia (GO), precisava trabalhar. Assim, a criança, ainda bebê, passava um bom tempo na frente da TV, aparentemente segura.
— Ouvia falar que muita tela fazia mal, mas não achava que era tanto assim. Quando vi o impacto na minha filha, passei a acreditar — lembra Bárbara.
A imagem da criança em frente à televisão, sentadinha e atenta ao desenho, pode passar uma ideia de calma e tranquilidade. Mas, sem tela, elas dormem mais rapidamente, têm um sono mais eficiente e menos despertares noturnos.
Neste segundo dia da newsletter Infância ON/OFF, vamos mostrar como a tecnologia impacta o sono de crianças e o que pode ajudá-las a dormir melhor.
O que diz a ciência 🔬🧫
Dormir bem passa por três aspectos. E as telas — em excesso e de forma inadequada, principalmente — prejudicam todos eles. A psicóloga Ila Linares, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), explica cada um:
1) Aspectos circadianos: o ser humano recebe pistas ambientais para entender quando é dia (despertar) ou noite (dormir). A luz da tela confunde isso.
2) Aspectos homeostáticos: realizar atividades físicas durante o dia gera um acúmulo de cansaço para a noite. Ficar imóvel na frente da tela tem o efeito contrário.
3) Aspectos emocionais: existe uma relação entre o sono e a função cerebral que processa as emoções. Um vídeo que seu filho viu — com conteúdo nem sempre monitorado pelos cuidadores — pode voltar à noite como pesadelo.
A pediatra Ana Bárbara Jannuzzi, especialista em sono infantil, completa:
— TV ou tablet no quarto da criança é pior ainda. Isso aumenta o risco de terror noturno e sonambulismo — diz.
Estudos apontam que a tela, mesmo durante o dia, atrapalha o sono infantil. Principalmente conteúdos com alto estímulo: com muitas cores e editados com excesso de cortes.
Esses vídeos que hipnotizam as crianças e as deixam paradinhas podem até dar a sensação de que elas estão seguras— afinal, não estão na rua, nem em risco de se machucarem correndo, pulando, brincando. Mas isso não é verdade.
— A situação da Helena chegou num limite. Decidimos deixá-la dois meses sem telas, e ela virou outra criança. Até o comportamento melhorou. Em vez de ver TV, passou a brincar — conta Bárbara.
Essa é a conclusão: criança precisa brincar. O conselho é de cientistas.
— Se os pais precisam colocar os filhos na tela por algum motivo, que seja na TV (e não no celular ou no tablet), com conteúdos de baixo estímulo, e que não seja a última atividade antes de dormir — diz Ila.
Então, regrinhas básicas:
Pelo menos uma hora antes da cama, zero telas.
Chegando perto da hora de dormir, desacelere. Prefira atividades e brincadeiras mais calmas.
Áudios relaxantes, com musiquinhas ou historinhas, estão liberados. Antes de ir para o quarto ou até com a criança já na cama.
Quer saber mais estratégias para que a criança tenha uma boa noite de sono? Continue a leitura que vamos detalhar. Antes, vamos testar seus instintos e conhecimentos.
O que você faria? 🤔
Seu filho de 3 anos consegue dormir rapidamente vendo TV, mas ele acorda de duas a três vezes à noite. O que é melhor?
A) Manter a TV antes de dormir, mas cansar ele mais de dia para não acordar durante a noite.
B) Trocar a TV por brincadeiras calmas antes de dormir.
C) Procurar um especialista.
O que o especialista faria? 🧐
De 0 a 2 anos
A resposta para uma boa noite de sono é rotina. Tudo sempre na mesma ordem, da mesma forma, todos os dias.
— As crianças vão pegando as pistas ambientais de que é o momento de ir dormir — diz Ila.
No caso de bebês que ainda são amamentados, a rotina deve ser bem curtinha e objetiva. Por exemplo:
Banho -> massagem -> oração ou musiquinha
E depois disso?
Os bebês devem ser ensinados a criar alguma autonomia para dormir. Isso não significa deixá-los chorando sozinhos até desistirem de pedir ajuda.
— Faça transições gentis — recomenda Jannuzzi.
A criança que só dorme sendo ninada, por exemplo, precisa dar um passo de cada vez.
Passo 1 - Dormir parada no colo.
Passo 2 - Dormir no berço com um cuidador do lado.
Passo 3 - Dormir no berço com um cuidador no quarto, mas distante.
Passo 4 - Dormir sozinha.
Quando chorar, espere um pouquinho até acudir. Às vezes, é só um resmungo que passa.
De 2 a 6 anos
A rotina pode ser mais longa. Veja o exemplo:
Banho -> escovar o dente -> vestir o pijama -> historinha na cama -> oração ou musiquinha
Atenção! Crianças acima de 2 anos precisam dormir a noite toda. Se ela tiver despertares noturnos, ligue o sinal de alerta.
Então, a resposta correta para a pergunta lá de cima é a B. Se ainda assim a criança continuar acordando durante a noite, busque ajuda de um neuropediatra.
Ajuda digital 👩💻
Ruído branco é um som que mistura todas as frequências que os seres humanos são capazes de ouvir. Ele tem sido amplamente utilizado pelas famílias brasileiras para ajudar as crianças a dormir. Pode ser encontrado em playlists na internet ou já vem equipado em ferramentas como babás eletrônicas.
A estratégia pode salvar uma — ou muitas, se você morar em um lugar muito barulhento — noite de sono. Mas ela deve ser usada pontualmente.
— O ruído branco é recomendado para um dia de festa ou obra. Mas em toda soneca, toda noite, não — afirma Jannuzzi.
Ila explica que o ruído cria um condicionamento. Chega um ponto em que a criança só vai dormir com ele. Nesse caso, em vez de ajudar o sono, ele atrapalha.
Além disso, o ruído branco não pode emitir som acima de 50 decibéis, nem estar a menos de dois metros do berço da criança.
Historinhas gravadas
A pediatra Ana Bárbara Jannuzzi aconselha uma estratégica que usa com seus próprios filhos.
Enquanto você estiver contando uma historinha na hora de dormir, grave o áudio com o celular. Depois, vá criando um acervo desses momentos — ela já tem mais de 300! Num dia mais corrido, bote para a criança ouvir na hora de dormir.
— Aqui em casa é o pai que conta. Elas adoram ouvir a voz dele na gravação e perceber a reação que elas próprias tiveram naquela ocasião. É uma maneira lúdica de reviver o momento — conta a médica.
E os aplicativos abaixo podem ajudar na rotina:
Niosh Sound Level Meter - O Niosh, uma agência de pesquisa do governo americano, tem um aplicativo para medir decibéis. Só disponível para Ios, mas há similares para Android. Use para medir o volume do ruído branco.
Napper - Se você quiser registrar as noites de seu filho, esse aplicativo pode te ajudar: ele usa a ciência e algoritmos para ajudar a gerenciar o sono dos bebês, prevendo sonecas e horários ideias para dormir.
Quer saber mais? 🤷🤷♀️
O Conselho de Psicologia do Sono publicou em 2023 a cartilha “O Sono da Criança e do Adolescente - Um guia para pais e cuidadores”, que pode ajudar com mais informações.
Você, adulto, também tem problemas para dormir? Assine a newsletter “Sono meu”, da editora de Saúde do GLOBO, Adriana Dias Lopes.
O Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard tem disponível o episódio de podcast sobre sono infantil Why Sleep Matters in Early Childhood Development. Todo em inglês.
