Indígenas usam COP30 para avançar campanha por demarcação de terras
Uma das principais bandeiras de povos originários nos eventos da COP30 tem sido a de avançar a agenda de demarcação de terras indígenas (TIs). Lideranças locais brasileiras querem que a conferência reconheça que a consolidação fundiária ajuda comunidades tradicionais a preservar a floresta e a evitar emissão de CO2.
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Lideranças presentes no evento estão se valendo, em seus discursos, dos muitos estudos científicos publicados na última década mostrando que a presença de indígenas em um território é inversamente proporcional ao risco de uma área ser desmatada na Amazônia.
A criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) conseguiu gerar a pressão política para avançar um pouco a agenda das demarcações nos últimos três anos, mas há um tom de insatisfação ainda no setor, sobretudo no caso de etnias que são consideradas povos isolados ou de recente contato.
Representantes do povo Kaxuyana, do Pará, realizaram um protesto terça-feira na COP30, em Belém, cobrando de Lula que assine a homologação da TI Kaxuyana Tunayana, na calha norte do Rio Amazonas.
— A gente não pode discutir o enfrentamento da crise climática nessa COP, em Belém, na Amazônia, se não se preocupar com a existência de povos indígenas isolados e de todos os povos indígenas — afirma Ângela Kaxuyana, ativista representando a comunidade em um evento do MPI na Green Zone, área de acesso livre na COP30.
Pertencente a um povo que sofreu uma diáspora durante a ditadura militar após ser removido de sua área original, a ativista afirma que lideranças querem que a importância dos povos indígenas para a regulação climática do planeta seja reconhecida de alguma forma no texto de decisão da COP30.
Um grupo de Kaxuyanas tem circulado na COP vestindo camisetas com inscrição impressa que pede diretamente a Lula a demarcação de seu território.
A advogada Carolina Ribeiro Santana, do Observatório dos Povos Isolados, ONG criada pelo indigenista Bruno Pereira, afirma que uma estratégia de litigância está sendo montada para pressionar pelo avanço da agenda de demarcações. A pressão na conferência do clima é importante, ela diz, para conscientizar autoridades sobre o nível de vulnerabilidade climática das comunidades nessa condição.
— Eventos climáticos extremos ganham visibilidade apenas quando envolvem grande número de pessoas nas cidades, mas a gente pode ter um povo indígena inteiro afetado por falta de água, e porque vivem em isolamento ninguém vai chamar isso de evento extremo — afirma. — A gente está falando de um genocídio que pode acontecer sem que as pessoas saibam.
Os protestos realizados nessa quarta-feira na COP ocorreram de maneira disciplinada, acompanhados por indígenas representantes do governo, mas não deixaram de transparecer um clima tenso de cobrança.
Marcos Kaingang, secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas do MPI estava no evento e disse que espera ter novas demarcações para anunciar ainda antes do fim da COP30, mas não sabe se a velocidade dos ritos burocráticos vai permitir isso. A demarcação da TI Kaxuyana-Tunayana, se não ocorrer ainda neste ano, deve sair no máximo até abril, diz.
— Nós já temos 16 terras homologadas na gestão do presidente Lula, o que é um recorde histórico para o estado brasileiro — afirmou Kaingang. — Temos também 11 portarias declaratórias de terras indígena, e expectativa de avançar em mais outras. O presidente já nos deu o comando político para isso.
Desde 2023, um complicador na demarcação é a cláusula do marco temporal, segundo a qual o direito à terra existe apenas para comunidades indígenas que estivessem ocupando a área em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Dependendo do caso, a demarcação envolve indenizações a ocupantes não indígenas.
O secretário do MPI, de todo modo, afirma que todas os pedidos de homologação levados a Lula foram assinados, e espera que o mesmo ocorra com os próximos.
— O MPI tem feito um esforço muito grande com Ministério da Justiça, Casa Civil, e Funai para avançar, porque em muitas das terras falta atualizar levantamento fundiário e censo de ocupantes — diz. — Algumas terras têm impacto do marco temporal e outras não, o que eleva a complexidade. Hoje é preciso qualificar o preço de uma demarcação. É um fato.
A importância climática da demarcação, ele afirma, é que uma TI sancionada é menos sujeita a invasões, que culminam em desmatamento, deterioração e emissão de CO2. Na contabilidade de emissão de gases-estufa que o Brasil entrega à ONU, florestas podem ser consideradas como tendo remoção, ou "emissões negativas", porque árvores em crescimento absorvem carbono. Mas essa regra só vale se a mata em questão estiver em unidades de conservação ou terras indígenas.
O repórter Rafael Garcia viajou a Belém a convite da Motiva
