‘Grande entrega da COP é o casamento da economia com o combate à crise do clima’, diz diretora-executiva da conferência

 

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Se a COP30 não tem um tópico sexy a resolver, tem mais de 20 que podem ser resultados importantes — incluir o recorte de gênero nas decisões, criar um mecanismo que ajude os países em sua transição justa, definir indicadores para medir a adaptação climática em saúde, infraestrutura, erradicação da pobreza. São decisões que dependem do consenso de 190 países. Mas a um mês da conferência, Ana Toni, sua diretora-executiva, enxerga uma vertente que pode dar à COP30 sua face histórica:

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— Nossa COP está trazendo como grande entrega o casamento da economia com o combate à crise do clima.

Ela dá exemplos: o relatório dos presidentes da COP30 e da COP29 sobre o caminho para o mundo conseguir US$ 1,3 trilhão ao ano em 2035 para descarbonizar as economias, o Fundo Florestas Tropicais que o Brasil e outros pretendem colocar de pé, o esforço para que o regime climático do Acordo de Paris transborde e chegue ao planejamento dos bancos nacionais de desenvolvimento, dos multilaterais, dos ministérios das Finanças e Planejamento.

A economista, que chama o Acordo de Paris e seus mecanismos de “engenhoca”, diz que um mundo em turbulência é o momento em que as instituições mostram sua força. A seguir os principais pontos da entrevista:

Sem tema sexy

São mais de 100 temas de negociação na COP30. Existem mais de 20 significativos que serão debatidos e entregues. Nenhum deles é “o” tema sexy, como foi o financiamento na COP de Baku. Mas são importantes: transparência, gênero, adaptação, transição justa, o balanço global. Esperamos entregar vários.

Debate sobre transição

Este grupo de trabalho foi criado em 2022, na COP 27. A busca agora é por aprovar uma decisão, fazer uma menção política sobre o que é transição justa considerando princípios de equidade. Há também a discussão sobre qual será o arranjo institucional — talvez um mecanismo que auxilie os países em suas políticas de transição justa, algo que hoje em dia não existe. Há um grande debate. O que quer dizer transição justa? Vai focar antes no tema de energia e em quem perde emprego, por exemplo? Vai olhar para o acesso à energia em países africanos?

Textos na mesa

Saímos de Bonn (a pré COP em junho, na Alemanha) com quase 95% das negociações com textos. Estão com colchetes (o que identifica que falta consenso). Alguns são difíceis — não conseguimos um texto sobre tecnologia. Há dois textos na mesa sobre o diálogo do GST (o conjunto de decisões feitas em Dubai, na COP 28, conhecido como Balanço Global). Chegar a uma COP com textos, mesmo que com muito a negociar, já é bom.

Indicadores de adaptação

É o que se chama de GGA, sigla para Global Goal on Adaptation, ou Objetivo Global de Adaptação. Nas COPs anteriores já foram acordados quais são os 11 temas em adaptação (abastecimento de água e saneamento; impactos na saúde; produção de alimentos; biodiversidade; infraestrutura; erradicação da pobreza). O que está em disputa na nossa COP é como iremos medir esses objetivos: quais são os indicadores. Serão cerca de 100. A discussão está em definir quais e se existirão indicadores relacionados a financiamento.

Balanço Global

Há o diálogo do Global Stocktake, o GST (previsto no Acordo de Paris para avaliar o progresso coletivo dos países e identificar lacunas; o primeiro aconteceu em Dubai, na COP28, e resultou em várias decisões, como triplicar energias renováveis e os países se afastarem dos combustíveis fósseis). O debate é: será só troca de experiências? Tem quem queira colocar novas metas no GST.

Agenda de ação

Aqui podem existir várias entregas. A primeira seria criar uma moldura para colocar todas as iniciativas embaixo desta estrutura — que seria o Global Stocktake. Ou seja: como determinada iniciativa climática ajuda na implementação de algo já acordado. Vai ter um debate na COP se pode se transformar a agenda de ação em um plano de cinco anos. A partir de agora, para estar na agenda de ação, as iniciativas terão que ser reportadas a uma plataforma da UNFCCC. As iniciativas são coletivas. Se as iniciativas forem reportadas, podemos trazer transparência ao processo.

Florestas e carbono

O Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, que o Brasil e outros querem implementar na COP30) é parte da agenda de ação. A harmonização dos mercados de carbono é outra iniciativa.

Economia e clima

Este é um ano em que os países fazem novas NDCs (os compromissos climáticos voluntários) e teremos o relatório-síntese da ONU (que avaliará os compromissos e estimará o aquecimento da temperatura a partir deles). Teremos o relatório de US$ 1,3 trilhão (elaborado pelos presidentes da COP30, André Corrêa do Lago, e da COP29, Mukhtar Babayev). O que acho que a nossa COP está trazendo de grande entrega é o casamento de economia com o combate à crise do clima.

Criamos o círculo de ministros da Fazenda, o conselho de notáveis economistas, temos o relatório do US$ 1,3 trilhão. Estamos trazendo instrumentos econômicos como o TFFF. O que estamos mostrando é que, para além do que o sistema do Acordo de Paris consegue entregar, outras instituições fora dele, como o FMI, os bancos multilaterais, os bancos de desenvolvimento, têm que se alinhar aos instrumentos do Acordo de Paris.

Multilateralismo

São 10 anos do Acordo de Paris, e a gente percebe que todo o ciclo de políticas e mecanismos do Acordo — as NDCs, os planos de adaptação, o primeiro Globo Stocktake —, e só um país resolveu sair. Tudo isso demonstra que a engenhoca do Acordo de Paris está andando, está trazendo resultados. Só que, obviamente, não o suficiente ainda para estarmos alinhados com o limite de aquecimento de 1,5°C.

Temos que olhar para o que essa máquina ainda precisa fazer para melhorar e o que o mundo de fora, as outras instituições, podem fazer para acelerar as ações. Não adianta nada ter NDCs, se os bancos multilaterais ou os bancos nacionais não as usarem nos seus planejamentos. Nossa COP representa a virada de só pensar no regime climático e olhar o quanto o regime começa a pautar políticas fora dele.

Esta é uma COP que olha para a frente. As NDCs são para 2035. Agora a gente tem o ciclo do Acordo de Paris e está muito mais bem preparado a acelerar ações.

Mundo turbulento

É nos momentos de tensão — e vivemos isso nos nossos momentos de tensão democrática no Brasil — quando se vê a importância da institucionalização e de as engenhocas serem boas e sólidas. Apesar de o mundo estar em um momento péssimo, estamos vendo a fortaleza dessa institucionalidade que é o Acordo de Paris, que são as COPs. O que a gente está tentando trazer para a COP30 é isso: o fortalecimento do multilateralismo, mostrar que a COP traz benefício para as pessoas e que o regime climático precisa falar com as instituições fora dele.

Tópicos mais avançados nas negociações

Programa sobre gênero: O objetivo é acelerar a implementação de soluções climáticas e políticas públicas com foco de gênero.

Transição justa: Uma decisão ou menção política que diga o que é transição justa e talvez um mecanismo que ajude a criar políticas.

Indicadores globais de adaptação: Definir indicadores que medirão avanços na adaptação em saúde, infraestrutura, saneamento e produção de alimentos.

Balanço Global (GST): Diálogo sobre as decisões tomadas em 2023, em Dubai, como a de triplicar fontes renováveis.

Criar moldura em torno do GST: Cada nova iniciativa estaria vinculada às decisões do Balanço Global. Pode se transformar em um plano de cinco anos.

Transparência: As iniciativas coletivas terão que ser reportadas a uma plataforma da Convenção do Clima, a UNFCCC. Isso trará transparência aos avanços das alianças.

Fundo para florestas: O fundo proposto pelo governo brasileiro e outros países poderá proteger florestas tropicais.

Mercados de carbono: Iniciativa para harmonizar os mercados de carbono já existentes nos diferentes países.

Plataforma digital: Brasil e Índia lideram a discussão em torno de uma Digital Public Infrastructure, ou seja, um sistema digital compartilhado, para clima.

* Do Valor