Genro de Malafaia vira campeão de emendas e gera crise interna em universidade no Rio 

 

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Casado com uma das filhas do pastor Silas Malafaia, figura religiosa que mantém constante interlocução com a classe política, o professor Anderson Silveira é hoje o líder de captação de emendas parlamentares em uma universidade do Rio, o que levou a uma crise interna com direito a carta de renúncia coletiva. Um projeto coordenado por ele obteve R$ 14 milhões por meio do Ministério do Esporte no ano passado, mais que o dobro do segundo colocado, na Universidade Federal Rural do Rio (UFRRJ). O GLOBO identificou cabos eleitorais e aliados de deputados na lista de remunerados pelo projeto — que distribuirá, ao todo, R$ 11,7 milhões apenas em bolsas, sendo R$ 7 milhões para pessoas de fora da universidade.

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Batizado de Programa Esporte Para a Vida Toda, ou Previt, o projeto prevê 75 núcleos de prática esportiva em mais de 20 municípios no estado do Rio. Ao menos 14 funcionam em igrejas e têm envolvimento de pastores.

O Previt foi custeado com um Termo de Execução Descentralizada do Ministério dos Esportes para a universidade, o que dificulta o rastreio dos padrinhos dos recursos. O GLOBO apurou que os deputados Laura Carneiro (PSD-RJ), aliada do prefeito da capital, Eduardo Paes, e Roberto Monteiro (PL-RJ), correligionário do governador Cláudio Castro, fizeram indicações de núcleos.

Anderson admite que parlamentares indicam locais para o projeto funcionar, mas alega não saber quem são os padrinhos dos recursos e nega que o fato de ser genro de Malafaia tenha ajudado na captação da verba ou na escolha desses núcleos.

— Ele (Malafaia) nem sabe que eu trabalho com esse tipo de coisa. Os parlamentares não determinam, mas eles chegam a solicitar que haja, quando possível, uma atenção para essa ou aquela região. Pode acontecer de o parlamentar fazer algum tipo de propaganda no próprio núcleo, mas isso está fora do nosso controle — argumentou.

Instâncias de controle interno da universidade mostraram preocupação com a quantidade de bolsas distribuídas em projetos de Anderson, considerada atípica para os padrões da Rural. O montante destinado a esse tipo de auxílio corresponde a mais de 80% dos R$ 14 milhões. Internamente, o Previt é visto como uma iniciativa de pouco retorno à universidade, já que é voltado sobretudo para o público externo

O projeto foi iniciado em maio do ano passado, com recursos destinados à Fundação de Apoio da Rural, a Fapur. Em agosto deste ano, insatisfações acumuladas levaram a uma renúncia coletiva de toda a diretoria da fundação, que identificava anomalias em pontos do Previt. Além de representar mais que o dobro do valor do segundo maior projeto da fundação, a empreitada equivale a cerca de metade dos R$ 33 milhões destinados à Fapur via emendas nos últimos cinco anos.

“Com a convicção de que colaboramos para que a Fapur, uma vez maior, mais robusta e profissional, cumprisse melhor o atendimento às necessidades da UFRRJ, nos despedimos com o sentimento do dever cumprido, e desejamos vida longa e próspera a ambas as instituições”, afirmam, na carta de renúncia, o presidente, a vice e dois diretores da fundação.

Apesar de a carta não mencionar diretamente a causa da debandada, tampouco as insatisfações registradas na fundação, pessoas que acompanham o andamento do caso na Rural ouvidas pelo GLOBO deixam claro que o projeto de Anderson foi um motivo fundamental. Tanto o montante financeiro em si quanto as características do Previt causavam estranhamento, o que fazia com que integrantes da fundação não quisessem se envolver no processo.

Anderson alega que o projeto chegou a atrasar por “incapacidade da Fapur” de gerir os recursos e de realizar a compra de material. Ele afirma que, nesse contexto, o próprio Ministério do Esporte orientou a universidade a reduzir o valor destinado a equipamentos esportivos e aumentar o gasto com bolsas, a fim de que o projeto “tivesse continuidade” sem necessidade de devolver ao governo federal valores não gastos.

Influência política

No caso de Laura, um aliado da deputada, Jorge Luiz Almeida Dalta, também assumiu a função de “coordenador administrativo” dos projetos, com remuneração de R$ 6 mil mensais. Dalta faz parte da diretoria do Instituto Nelson Carneiro, ONG batizada em homenagem ao pai de Laura e que tem uma das filhas da deputada como coordenadora.

Ele afirmou que atua “como voluntário” no instituto ligado à deputada e que foi selecionado para o projeto do genro de Malafaia por meio de edital “aberto a todos os profissionais aptos e capacitados a concorrer ao cargo, (...) não sendo objeto de indicação”. O edital a que ele se refere, que selecionou dois coordenadores, teve três participantes.

A influência de Laura aparece em outros núcleos do projeto. Contratada como supervisora dos núcleos de Quatis e Resende, municípios do interior do Rio, Rosilene Gomes da Silva vem publicando agradecimentos à deputada nas redes sociais pelo funcionamento das aulas de vôlei e street dance.

Em nota, a parlamentar afirmou que “pleiteou ao Ministério do Esporte recursos para desenvolvimento de projeto”, que “ficou a cargo da UFRRJ”.

“A execução administrativa e operacional foi de responsabilidade da Universidade, inclusive a contratação de profissionais e a aquisição de materiais”, disse.

Outro deputado influente no projeto da Rural é Roberto Monteiro, mais conhecido por ser pai do vereador cassado Gabriel Monteiro (PL). Em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, o pastor Cleverson Pinheiro, contratado para “apoio comunitário” no Previt, gravou vídeo durante uma aula de jiu-jítsu no qual agradece ao parlamentar por “trazer esse projeto social” para a comunidade local.

A reportagem identificou que ao menos 14 núcleos do projeto da Rural funcionam dentro de igrejas, sendo 12 evangélicas e duas católicas. Segundo Anderson, não houve “associação religiosa ou ideológica” na definição dos locais, que teriam sido selecionados de acordo com a disponibilidade de oferecer atividades esportivas em áreas mais carentes.

Em nota, a universidade alegou que “a participação de tais membros externos foi defendida verbalmente pela coordenação do projeto embasada na necessidade de seleção de pessoas pertencentes às comunidades atingidas pelo programa, que obtivessem, primordialmente, vivência em projetos sociais esportivos”. Disse ainda que os critérios de seleção “foram estipulados com base em formação e experiência na área do programa, sem vínculo pessoal de qualquer tipo.”