‘Fui educado para não pensar’: como o arquiteto de Hitler escapou da pena de morte
No Tribunal de Crimes de Guerra de Nuremberg, em outubro de 1946, Albert Speer adotou uma estratégia distinta da maioria dos líderes do regime derrotado. Em vez de alegar obediência cega a ordens, procurou se distanciar de Adolf Hitler, aceitando desde o início uma responsabilidade coletiva pelos crimes cometidos pelo nazismo. A postura ajudou a diferenciá-lo no julgamento que levou à condenação de 21 réus por atrocidades que incluíam o recém-definido crime de genocídio.
Naquele 16 de outubro de 1946, dez dirigentes nazistas foram executados. Outros nomes centrais do regime, como Hermann Göring, enfrentaram o tribunal sem demonstrar arrependimento. Já figuras como Heinrich Himmler e Joseph Goebbels haviam se suicidado. Speer, arquiteto pessoal de Hitler e depois ministro do Armamento, saiu condenado a 20 anos de prisão — pena que cumpriu integralmente.
Após deixar a prisão de Spandau, em 1966, Speer iniciou uma cuidadosa reconstrução de sua imagem. Tornou-se presença frequente na imprensa internacional e lançou o best-seller Inside the Third Reich, no qual se apresentou como um tecnocrata alheio às decisões políticas mais brutais do regime. A narrativa lhe rendeu o rótulo de “bom nazista”, amplamente difundido no debate público do pós-guerra.
Em entrevista à BBC em 1970, Speer classificou Hitler como “uma das pessoas mais perversas da história”, mas insistiu que o ditador também tinha “lados humanos”, argumento que, segundo ele, serviria de alerta para o futuro. Para o ex-ministro, o perigo estaria em imaginar que líderes autoritários só se apresentam de forma caricata.
Historiadores, no entanto, questionam essa versão. Speer afirmou em Nuremberg que só tomou conhecimento do extermínio em massa de judeus durante o julgamento. Documentos e depoimentos posteriores indicam que ele participou — direta ou indiretamente — de reuniões em que o tema foi tratado de forma explícita. Para a historiadora Heike Görtemaker, o caso de Speer revela um padrão: “Uma nova entrevista, um novo livro, uma nova história”.
Como ministro do Armamento a partir de 1942, Speer comandou um setor vital para o esforço de guerra alemão e utilizou mão de obra forçada em larga escala. Milhões de trabalhadores compulsórios foram empregados em fábricas, minas e pedreiras sob sua supervisão. No tribunal, ele atribuiu a responsabilidade direta a subordinados, estratégia que ajudou a reduzir sua pena e contribuiu para a execução de Fritz Sauckel, então encarregado oficial do recrutamento de trabalhadores.
Speer morreu em 1981, aos 76 anos, em Londres, após sofrer um derrame, pouco depois de lançar mais um livro sobre o regime nazista. Àquela altura, novas revelações sobre sua vida pessoal e profissional reforçavam a percepção de duplicidade. Grande parte de sua arquitetura monumental, projetada para um Reich de “mil anos”, havia sido destruída. Restaram ruínas e museus que hoje funcionam como alerta histórico.
