Feminicídios em SP: violência contra mulheres em plena via pública quase dobra em um ano
O estado de São Paulo observou um aumento significativo de 10,1% nos casos de feminicídio consumado entre janeiro e outubro de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior. No levantamento do Instituto Sou da Paz, um dado chama especial atenção: a ocorrência de assassinatos de mulheres em vias públicas quase dobrou proporcionalmente no último ano, e este tipo de crime já representa cerca de um terço de todos os feminicídios cometidos no estado entre janeiro e outubro deste ano.
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Enquanto em 2024 os feminicídios em vias públicas representavam 17,6% do total, em 2025, o percentual saltou para 28,0%. Em números absolutos, as ocorrências subiram de 33 para 58 no estado, no comparativo entre os dez primeiros meses de 2024 e 2025.
— Vivemos um momento de recrudescimento da misoginia, da violência contra a mulher, isso tem sido alimentado por uma radicalização, em que as redes sociais catalisam isso com muita força. Existe uma certeza de impunidade até sobre crimes cometidos no meio da rua contra os corpos dessas mulheres. A gente precisa, como resposta a isso, ter responsabilizações muito emblemáticas nesses casos, a gente precisa que as pessoas se envolvam e não permitam que essa violência aconteça — afirma Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
No quadro geral, o crescimento de 10,1% dos feminicídios consumados foi impulsionado, principalmente, pela capital paulista, que registrou um aumento de 23% nos assassinatos de mulheres motivados por ódio misógino. A cidade de São Paulo foi palco de 1 a cada 4 feminicídios consumados no estado (25,6% do total) no período analisado.
Apesar do forte aumento em vias públicas, a própria casa ainda permanece como o principal local onde as mulheres são vítimas. Entre janeiro e outubro de 2025, seis em cada 10 mulheres (61,8% do total) foram vítimas de feminicídio dentro de suas casas no estado. No total, o estado de São Paulo saiu de 188 feminicídios consumados entre janeiro e outubro de 2024 para 207 casos no mesmo período de 2025.
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Perfil das vítimas e meios utilizados
Em relação aos instrumentos utilizados, o principal meio empregado nos feminicídios no estado de São Paulo continua sendo as armas brancas e objetos contundentes. Historicamente, esses instrumentos são utilizados em mais da metade desses crimes, representando 56,0% dos casos registrados em 2025.
Sobre o perfil das vítimas, a maioria (cerca de 73%) nos primeiros dez meses de 2025 possuía entre 20 e 49 anos de idade. O maior número de vítimas concentra-se na faixa etária de 40 a 49 anos, somando cerca de um quarto (23,7%) de todas as mortes por feminicídio no estado.
Quanto à raça/cor, as mulheres brancas são a maioria (51% das vítimas), seguidas pelas vítimas negras (45% – somando pretas e pardas). A pesquisa observa ainda que essa distribuição segue aproximadamente a distribuição racial da população do estado, conforme o Censo de 2022.
Os especialistas do Instituto Sou da Paz apontam que o crescimento dos feminicídios indica uma lacuna na atuação das forças de segurança. Para Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, as principais políticas adotadas tanto na gestão estadual quanto municipal têm priorizado crimes patrimoniais, como roubos, enquanto a violência contra a mulher cresce. Ele afirma que "não nos parece haver uma política séria e estruturada para o combate à violência contra a mulher nem no estado de São Paulo e nem em sua capital".
— Há ações possíveis de serem implementadas como a ampliação das unidades físicas das Delegacias de Defesa das Mulheres, a integração entre as secretarias municipais de saúde e assistência social para identificação e prevenção de ciclos de violência, para que um atendimento qualificado seja dado desde as primeiras denúncias, evitando que as mulheres sejam vitimadas na escalada de ciclos de violência — disse Rocha.
A pesquisadora Malu Pinheiro complementa a análise, destacando que, pela natureza do feminicídio, majoritariamente cometido por familiares ou companheiros, o combate exige intervenções diferentes das utilizadas pela polícia em outros crimes. Ela cita o acompanhamento de mulheres que solicitam medida protetiva de urgência como uma estratégia positiva já utilizada em outros estados.
— A integração e ampliação dos serviços disponíveis para o acolhimento de mulheres em situação de violência também é um passo importante para a ampliar a capacidade das vítimas de não permanecerem em situação de violência — finaliza.
Tentativas de feminicídio
Na última semana, dois casos graves de tentativa de feminicídio voltaram a expor a escalada da violência contra mulheres na capital. O primeiro envolve Tainara Souza, de 31 anos, atropelada na madrugada de sábado (29) na Zona Norte e arrastada por cerca de 1 quilômetro pela Marginal Tietê.
O suspeito, Douglas Alves da Silva, 26, apontado como ex-companheiro da vítima, teria provocado o atropelamento após uma crise de ciúmes ao vê-la em um bar. Ele foi preso. Tainara teve as pernas amputadas após cirurgias emergenciais e está em coma induzido no Hospital Municipal Vereador José Storopolli.
O segundo caso ocorreu na manhã desta segunda-feira (1º), também na Zona Norte, quando Evelyn de Souza Saraiva foi baleada pelo ex-marido enquanto trabalhava em uma pastelaria. Bruno Lopes Fernandes Barreto usou duas armas para atingir a vítima nas costas e nos membros inferiores. Ele fugiu e segue foragido; sua defesa não foi localizada.
