
Felipe Melo curte nova fase como comentarista e mira próximo passo: 'Serei treinador e não vou trabalhar no Brasil no início'

Multicampeão ao longo de toda a carreira, o ex-volante Felipe Melo experimenta, aos 42 anos, um novo prazer: o de atuar como comentarista de futebol na TV. Mas já mira o próximo desafio: ele tem estudado para iniciar a trajetória como treinador, de olho nos times do exterior. Ao GLOBO, o ex-jogador explica por que Fernando Diniz é sua principal referência e conta como tem desfrutado dos prazeres da vida desde a aposentadoria no Fluminense, no fim de 2024.
Como foi a transição de jogador para comentarista? Era algo em que você pensava na reta final da carreira?
Sempre pensei, especialmente nos últimos anos. Lá em casa, o futebol é consumido quase 24 horas por dia. Quando a gente não está assistindo ou jogando futebol, é porque está dormindo. Isso quando a gente não sonha com futebol (risos). Sempre me expressei bem e fui verdadeiro, então pensava em ter a oportunidade de falar sobre futebol a partir de uma visão minha, de um ex-jogador que vive o futebol desde os 8 anos de idade. Está sendo fantástico.
Você tem uma personalidade forte, agora com um canhão na mão, que é o microfone. Como moderar esse tom, mas sem se tornar chapa branca?
Existem críticas e críticas. Se soa ruim para a pessoa e a família dela, é porque você passou do tom. Vivi isso na minha carreira. Vi meus pais chorarem muitas vezes, vi minha esposa e meus filhos tristes. A crítica deve existir, mas de forma construtiva, para ajudar. Tenho a responsabilidade de criticar sem ferir a honra do atleta. Porque estamos falando de profissionais, não importa se jogam na primeira ou na última divisão. São pessoas que estão ali para mudar as vidas de suas famílias.
A nova função, aliada ao fato de que você está prestes a se tornar dono da SAF do Americano de Campos (RJ), afeta seus planos de virar treinador?
Não, em hipótese alguma. Entrei no Americano porque vi um potencial grande para fazer o clube voltar aos tempos de glória e para mudar as vidas dos jovens que estão ali. Agora, como treinador, já tenho a equipe fechada. No fim deste ano, vou fazer a licença A da CBF. No próximo, farei a PRO. Tenho uma apresentação pronta sobre como queremos jogar com e sem a bola, as mudanças táticas ao longo das partidas... A ideia é abrir (para propostas do) mercado depois da Copa do Mundo. Se já vou trabalhar no meio do ano, não sei, porque estou me sentindo muito bem na Globo. Mas, quando chegar uma boa oferta, não tenho dúvidas de que vamos em busca disso. Eu vou ser treinador. A questão é quando.
O que te atrai em um projeto?
Um clube estruturado. E não vou trabalhar no Brasil, ao menos não no início. Não estou disposto a ficar na beira do campo e ter gente atrás xingando, xingando e xingando. As redes sociais estão aí para mostrar que tem cara que vai para o jogo só para xingar o treinador e depois publicar na internet. Eles acham isso lindo e maravilhoso. Eu quero trabalhar com tranquilidade.
Qual será seu estilo?
Meu time vai ter muita coragem para jogar, porque vamos ter bastante posse de bola. Quero sair para construir basicamente como o (Fernando) Diniz faz. Mas tenho aprendido ao longo dos anos que também precisamos entender o momento do jogo e fazer muitas vezes o que faz o Luis Enrique (técnico do PSG, que se adapta em função do adversário). São coisas que tenho estudado e anotado. Haverá jogos em que precisaremos dar um bico para frente, ganhar a segunda bola e transferir a pressão. Mas o time do Felipe Melo vai ter muita coragem e muita bola no pé.
Você citou Fernando Diniz, hoje no Vasco e que foi seu técnico no Fluminense. Ele é sua maior influência?
Diniz foi o maior treinador que tive, e com muita diferença para o segundo. E falo em todos os sentidos, em campo e fora dele. Até mesmo em relação ao que não fazer, porque tem um limite para tudo. Com Diniz, tudo era uma escola. Tive outros grandíssimos treinadores — Vanderlei Luxemburgo, Felipão, Unai Emery, Cesare Prandelli, Roberto Mancini, Dunga, Abel Ferreira, Abel Braga... e fiz questão de pegar um pouquinho de cada um deles. Mas confesso que o Diniz foi o cara de quem absorvi mais, porque ele tira o melhor de cada atleta. Os treinos dele são sempre muito bons, com muita intensidade e coragem. Quando você erra uma saída de bola, ele te dá um beijo, um abraço. Só não erre fazendo aquilo que ele não quer, sabe? Por isso o Fluminense teve tanto êxito (em 2023). Porque, de fato, nós compramos a ideia.
Felipe Melo com o treinador Fernando Diniz no título da Recopa Sul-Americana de 2024
Marina Garcia/Fluminense/Divulgação
Você teve uma carreira muito vitoriosa. Faltou algo?
Não faltou nada. Não troco nada do que eu tenho por alguma outra situação, porque tudo foi aprendizado. Os títulos, as derrotas, tudo. É claro que um jogador sempre sonha ganhar uma Copa do Mundo com sua seleção, mas, pô, eu sou tricampeão da América, tenho mais de 30 títulos na carreira.
Você tinha o sonho de jogar com seu filho, Davi, que atua no sub-20 do Fluminense...
Era um querer meu, de fato, mas eu não podia falar: “olha, traz ele para cá (para o profissional) e me dá mais um ano de contrato”. Não dependia de mim. Se dependesse, sem dúvida teria jogado com o Davi. Mas nem tudo acontece da maneira como queremos.
Como foi seu fim de ciclo no Fluminense, no ano passado?
A minha ideia era renovar, nem que fosse por mais seis meses. Eu já tinha exposto minha vontade de jogar a Copa do Mundo de Clubes. Fiquei muito triste por não ter acontecido, mas só tenho gratidão ao Fluminense, que me abriu as portas com 40 anos e me fez viver algo inimaginável. O que acho é que o Mano (Menezes, ex-técnico do tricolor) não me quis, e o presidente e o diretor entenderam. Também entendo. O treinador tem esse direito. Fiquei triste, mas a tristeza durou um dia. No seguinte, já acabou.
Como fez para digerir essa ruptura tão rapidamente?
Cara, eu fui para Londres (risos). Na verdade, quando soube, já estava lá. E o que aconteceu foi até engraçado. Eu estava me preparando. Estava meio frio, mas eu saía para correr, ia para a academia... Até que o Mário (Bittencourt, presidente do Fluminense) deu uma entrevista falando que não iria renovar meu contrato, mas me convidar para ser embaixador. Falei para minha esposa: “Rô, vou parar”. Aí fui usufruir da viagem, que foi uma maravilha (risos). Naquela mesma noite, fomos a um restaurante, e eu comi um espaguete à carbonara. Me amarro. Depois, parei de malhar. Entendi que tinha chegado o momento certo. Eu cheguei ao profissional no Flamengo com 16 anos e parei com 42. Acho até que uma parte do meu cérebro “queimou” por causa do futebol. Olhando agora, agradeço a Deus por não ter jogado a Copa do Mundo, porque entrei no Grupo Globo, viajei como lenda da Fifa e embaixador do Fluminense. Olha só que moral e que orgulho, estar em campo e viver o que vivi com as torcidas de Fluminense e Palmeiras. Se estivesse jogando, estaria no banco de reservas e não viveria isso.
Como tem sido finalmente sentir essa liberdade?
Estou há quatro semanas no Mounjaro (remédio para diabetes que ajuda a emagrecer), então dei uma secada. Estou treinando todos os dias, sou neurótico com isso. Passei um mês sem subir na balança que fica na porta do meu quarto, com medo. Mas, na viagem a Londres, aproveitei. Comi um bolinho, tomei um Negroni para abrir o apetite, depois uma garrafa de vinho junto com a Roberta. Na sobremesa, teve tiramisu. Vinha o sabor na minha boca, e eu falava: “cara, isso é maravilhoso” (risos).
Você consegue dizer se teve mais prazer no Palmeiras, onde foi mais vencedor, ou no Fluminense, onde se destacou como uma liderança-chave?
O último capitão que levantou duas Libertadores e a Copa do Brasil pelo Palmeiras fui eu. Depois que saí, o Palmeiras não conquistou esses títulos importantes, embora tenha ganhado Paulista e Brasileiro. Isso mostra minha importância para o elenco. A mesma importância que tive no Fluminense, dentro ou fora de campo. Aonde for, vou honrar os nomes de Palmeiras e Fluminense, que são clubes que amo muito, “Ah, e os outros por onde passou?” Gratidão, a uns mais e a outros menos. Tenho uma gratidão eterna e enorme pelo Flamengo. Se hoje sou o que sou, é graças ao Flamengo. Mas amar? Só Palmeiras e Fluminense.
Lamenta que sua relação com a torcida do Flamengo tenha se tornado um pouco bélica?
Oportunistas falam: “Felipe tem raiva do Flamengo porque não voltou para lá”. Como vou ter raiva? Voltei para o Palmeiras e fui campeão. No Fluminense, também. Inclusive, em cima do Flamengo. Ganhei deles e também perdi. Como vou ter raiva do Flamengo? É o clube que me formou. Ninguém me viu e nunca vai me ver falar mal do Flamengo, torcida e instituição gigantescas. Jamais vou cuspir no prato em que comi.